Parker, O Caçador de Darwyn Cooke

Darwyn Cooke é um autor que teve uma carreira curta mas fulgurante. Apesar de ter publicado a sua primeira história em 1985 só em 2000, com 38 anos, é que  abraçou a carreira de autor de BD.

Antes de se dedicar à BD o autor canadiano trabalhou como director de arte, designer gráfico designer de produção. Em 1996 começou a trabalhar como artista de storyboards para Batman: The Animated Series e Superman: The Animated Series, tendo posteriormente trabalhado em Men in Black: The Series.

Em 2000 publica o seu primeiro romance gráfico: Batman: Ego, pela DC Comics, o qual foi seguido por colaborações em títulos como X-Force, Wolverine/Doop, Spider-Man’s Tangled Web e Just Imagine.

Em conjunto com Ed Brubaker começa a trabalhar com a Catwoman nas páginas de Detective Comics na história “Trail of the Catwoman”. Foi o balão de ensaio que iria dar origem a uma nova série mensal da personagem, onde Brubaker e Cooke a reinventaram por completo. Cooke ilustrou os primeiros quatro números da nova série, tendo em 2002 ilustrado e escrito uma prequela, O Grande Golpe de Selina, que foi editado em Portugal pela Levoir.

O Renascer do Optimismo

Em 2004 o autor realizou aquela que é uma das suas obras primas: DC: The New Frontier, uma série limitada de seis números onde narra os eventos que ocurreram no universo DC no período de transição entre a Época de Ouro e a Era de Prata da BD norte-americana que foi um dos trabalhos mais aclamados e premiados do autor, tendo sido adaptado para o cinema de animação pela Warner Bros.

Um dos aspectos que fez The New Frontier sobressair foi o facto de ser a antítese da BD de super-herois da década anterior. Na década de noventa do século vinte a banda desenha norte-americana foi marcada por um conteúdo sombrio e hiper-violento, protagonizado por heróis cheios de cicatrizes físicas e emocionais. Era um mundo sombrio que aspirava a ser mais realista, como se as duas palavras fossem sinónimos. Em The New Frontier existe um renascer dos heróis optimistas e do idealismo que marcava a BD de super-heróis da década de 50 e 60. Essa redescoberta por parte de Cooke da luminosidade, cor e idealismo original dos super-heróis, aliado a um traço retro – embora intemporal – que evoca uma era passada foram elementos que caracterizaram a obra do autor e tornaram algo surpreendente quando foi anunciado que Cooke iria adaptar alguns dos romances de Parker para BD.

Um anti-herói original

Em 1962, o ano de nascimento de Cooke, o escritor Donald E. Westlake sob o pseudónimo de  Richard Stark publicou o primeiro dos romance protagonizados por Parker, um dos anti-heróis originais da ficção policial. Criminoso de carreira, Parker não é um herói, nem Stark o apresenta como tal, ele é só o protagonista dos romances e as suas acções estão longe de terem uma justificação honrada. A vingança e a ganância são as suas principais motivações sendo que o personagem consegue ser tão ou mais violento que os outros criminosos que enfrenta.

Em termos temáticos Parker é o oposto da obra anterior de Cooke, e artisticamente parecia ser uma combinação destinada a  falhar, mas que resulta devido às opções que o autor tomou. Em Parker as cores vibrantes que caracterizavam os outros trabalhos de Cooke estão ausentes, sendo substituídas pelo preto e branco simples, só com a aplicação de uma cor: verde no original e cinzento na edição portuguesa, no caso de O Caçador.

Apesar de o traço de Cooke manter a estrutura que o caracteriza, a arte-final é mais rasurada, frenética e imperfeita. É uma mudança simples mas que ajuda a criar um ambiente mais negro e violento que se adequa na perfeição ao universo retratado.

Adaptação, transformação e tradução

A adpatação de um romance a um linguagem gráfica implica por regra a necessidade de cortar elementos, contudo aquilo que Cooke cortou não faz falta. Digo isto sem ter lido o romance original. Mas a complexidade narrativa existente e a própria caracterização dos personagens não deixa no leitor a sensação de que ficou algo de fora, em particular derivado a opção narrativas que foram tomadas.

O Caçador inicia-se com uma sequência genial de 20 páginas silenciosas onde somos introduzidos ao mundo de Parker e ao personagem. É uma opção algo surpreendente, em particular na adaptação de um policial hardboiled, mas Cooke consegue  só com imagens transmitir as emoções e introduzir o leitor à realidade da cidade de um modo que a utilização de texto descritivo iria ser algo redundante.

Apesar de Cooke utilizar outras sequências  silenciosas ao longo do álbum ele não se imiscui de utilizar cartuchos de narração e dar preponderância ao texto em outras circunstâncias. Esse é um dos elementos que torna O Caçador num lição de narrativa gráfica. Cooke utilizada os diversas técnicas narrativas para transmitir da maneira mais eficaz os diversos arcos narrativos e elementos da história.

Existem sequências narrativas silenciosas, preponderância da narração, flashbacks, acção linear, sequências conduzidas pelo diálogo e, em outras circunstâncias, a utilização de um elemento que caiu em desuso na BD actual: o narrador omnipresente.

A Inversão de Comparações

Em termos narrativos o que pode ser mais decepcionante em O Caçador é fruto de ser a adaptação do trabalho de um escritor seminal do policial hardboiled. Isto significa que o trabalho de Westlake já foi tão copiado e imitado que existem poucos elementos aos quais não estejamos habituados ou sido já confrontados em outras obras.

Para além até já podemos termo-nos cruzado com o próprio Parker mas sem termos consciência disso. Sete dos 24 romances que Parker protagonizou foram adaptados ao cinema, mas sem utilizar o seu nome. Filmes como Made in USA (1966), realizado por Jean-Luc Godard em 1966, Point Blank (1967) com Lee Marvin ou Payback (1999) com Mel Gibson são adptações dos romances de Westlake, o qual permitiu a adaptação da sua obra mas sem permitir a utilização do nome original do personagem.

O único filme em que o seu nome surge foi na oitava adaptação,  Parker com Jason Staham, que foi distribuído em 2013, alguns anos após o falecimento do autor.

A única adaptação que Westalake permitiu que utilizasse o nome original do personagem, foi a série Parker de Darwyn Cooke, do qual foi consultor embora tenha falecido em 2008 antes de ver o trabalho concluído.

Parker é um personagem maior do que a vida, um força da natureza imparável que em algumas situações faz lembrar personagens como o Marv de Sin City. Contudo essa é um referência que está invertida.

A série Sin City é uma homenagem hiper-estilizada que ao policial hardboiled, sendo que Parker é um dos originais desse género e, os apreciadores da série de Miller,  até vão encontrar outros paralelismo com o trabalho de Westlake e Parker em particular.  Contudo são paralelismo que apreciadores de outros trabalhos dentro do género policial também podem encontrar, é um daqueles casos em que as comparações estão invertidas endo o Parker a obra original que influenciou e foi copiada até à exaustão.

É por esse motivo que opção de Cooke em manter a acção localizada nos anos 60 resulta bem. Somos transportados para a época em que a personagem foi criada, sem que as virtudes que o trabalho possui sejam diluídas pela actualização ao tempos modernos. O Caçador é um policial dos anos sessenta, realizada com os recursos técnicos e narrativos da banda desenhada do século XXI. É uma conjugação que criar uma obra intemporal.

Obra de Mestres

Apesar de não possuir reviravoltas inesperadas O Caçador está longe de ser um trabalho linear e simplista. Estruturado em quatro actos, o romance começa com a introdução de Parker e a sua motivação; no segundo acto ficamos a conhecer as motivações e versão dos acontecimentos de Mal, o antagonista; no terceiro acto existe o confronto invitável e no último acto Parker é confrontado com o homem que foi e aquele que pretende ser no futuro.

A escrita de Westlake é herdeira do pulps norte-americanos, escorreita sem grandes preciosismos literários, com diálogos são concisos e um ritmo que prende o leitor. A informação vai sendo debitada num ritmo regular até ser construído um mundo fascinante e complexo. A arte de Darwyn Cooke revela-se um excelente complemento para a escrita de Westlake, é que o autor canadiano é capaz de criar personagens cujo carácter acaba por ser revelado pelo seu aspecto, criando uma galeria de personagens memoráveis e distintos sem necessitar de utilizar mais que o aspecto que lhes concedeu e as acções que realizam ao longo da história.

Obra maior

O Caçador está entre os melhores trabalhos de Darwyn Cooke, o qual possuí poucas obras menores.  Cooke chegou tarde à BD e partiu cedo demais, tendo falecido em 14 de Maio de 2016, vítima de cancro. Nos curtos 15 anos em que realizou BD acumulou 14 Eisners, e é um dos autores que vale a pena ler e conhecer, sendo o seu trabalho em Parker um dos mais importantes da sua curta carreira e dos mais premiados. É que contrariamente ao que a Devir indica, Parker não recebeu foi só três Eisner, foram SETE, incluindo para melhor legendagem, a qual também foi realizada por Cooke.

Parker é um série composto por quatro álbuns, dos quais três já estão editados em português pela Devir, O Caçador é uma daquelas obras cuja edição ser saúda e recomenda.

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