José Ruy e as Memórias da BD

A recente conferência “Como Entrei para O MOSQUITO”, realizada por José Ruy na nova sede do Clube Português de Banda Desenhada no âmbito das comemorações, organizadas pelo Clube, do 80.º aniversário d’O Mosquito, levanta-me algumas questões, também ligadas ao projeto da cidade da Amadora enquanto capital portuguesa da banda desenhada.

Durante bastante mais tempo do que inicialmente pensado pelo próprio, José Ruy apresentou a realidade d’O Mosquito a partir dos anos 40 do século XX, altura em que começou a trabalhar as cores para aquele título. Numa apresentação com um rigor e detalhe impressionantes, José Ruy abordou o seu percurso pessoal e profissional no período em que trabalhou para O Mosquito, descreveu o ambiente da oficina e da redação do jornal, explicou o processo do trabalho de cor e de impressão antes do surgimento do offset, traçou as biografias de Cardoso Lopes e de Raul Correia a partir do seu próprio testemunho, falou dos novelistas d’O Mosquito (com natural destaque para José Padinha), e desenvolveu aqueles que, na sua opinião, são os factores que contribuíram para o grande sucesso da publicação, incluindo o aproveitamento do talento de Eduardo Teixeira Coelho.

A perspetiva singular de José Ruy, que viveu os factos relatados, torna a conversa que teve lugar na sede do CPBD num precioso património imaterial, ligado à memória da história da banda desenhada em Portugal. As questões que isto me levanta ligam-se, precisamente, à conservação deste património.

Apresentando a banda desenhada como sinal distintivo, a cidade da Amadora tem, também, que pensar nesta responsabilidade de conservação. Quanto mais não seja, porque mais ninguém o faz.

A este nível, há que reconhecer que a cidade já deu passos muito importantes quando (no âmbito do projeto do CNBDI) desenvolveu a coleção NoNarte ou, sobretudo, quando começou a recolher e a tratar um valioso arquivo de originais.

Mas há muito mais por fazer. Com efeito, o registo da memória do panorama português de banda desenhada tem vivido muito de desencontros e de oportunidades de crescimento desaproveitadas. E encontramos exemplos disto fora da Amadora, se não quisermos falar do catálogo do AmadoraBD que passou de virtual a inexistente.

Concebido por Pedro Vieira de Moura, o Laboratório de Estudos de Banda Desenhada (LEBD) é um espaço de encontro e apoio ao estudo da banda desenhada. Centra-se numa pequena biblioteca com volumes especializados (monografias, colectâneas de ensaios, livros de história, sociologia, e estudos culturais sobre esta área) e numa pequena rede de investigadores, “tudo disponibilizado a quem queira começar o estudo desta área, ou pretenda um acompanhamento de trabalhos académicos (inclusive teses de mestrado e doutoramento), ou ainda um apoio pontual a informações”. Entre as grandes concretizações do LEBD contam-se as Conferencias de Banda Desenhada em Portugal (CBDPT), que tiveram já algumas edições com apresentações de prestigiadas individualidades ligadas à BD em Portugal.

A ideia de publicar em livro os ensaios apresentados nas conferências, prevista desde o início, acabou por não ter concretização.

Entretanto, publicado pela Chili Com Carne/Thisco e o Clube do Inferno, surgiu em 2015 o livro Maga, “coleção de ensaios sobre banda desenhada e afins”. Reúne vários textos da autoria de João Machado (Astromanta) e Ana Matilde Sousa (Hetamoé), em boa parte publicados online durante o ano de 2014. João Sobral (para além do design da publicação) contribui com um texto sobre “vender zines em Londres”. Marcos Farrajota escreveu um apanhado anual de fanzines e edição independente Adicionou-se ainda uma entrevista inédita com Tiago Baptista.

O livro custa 12 euros, vendeu mal e já se anunciou que não haverá edição em 2016.

Pergunto se não teria existido vantagem em concretizar esta publicação em parceria com o LEBD, eventualmente em moldes que permitissem a publicação de textos apresentados nas CBDPT. Não chegaria a mais leitores? Não contribuiria para o prestígio de todos?

A teorização sobre banda desenhada (muitas vezes completamente desprovida de sentido útil) reinou em excesso na altura em que pouca BD se publicava em Portugal. Agora, num período especialmente dinâmico, o registo da memória ameaça perder-se (e incluo aqui o mau serviço prestado por boa parte dos blogues existentes). Urge encontrar um ponto de equilíbrio.

Também aqui pode ser útil o contributo do Clube Português de Banda Desenhada, mas, sobretudo, há que pensar projetos e estabelecer parcerias.

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