Miguel Mendonça: “Senti o lado negativo de viver fora das grandes cidades”

Uma curta entrevista com Miguel Mendonça, um dos autores portugueses a trabalhar no EUA e um dos autores em destaque no Festival de BD de Beja.

Miguel Mendonça, mais um caso de um português a trabalhar para o mercado norte-americano, foi um dos autores convidados e com obras em exposição no X Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, no núcleo central na Casa da Cultura.

Diogo Campos (DC): Fala-nos um pouco sobre ti, de onde vens e porque decidiste dedicar-te à BD?

Miguel Mendonça (MM): Vivo em Olhão e tirei o curso de Design na Universidade do Algarve.

Sempre tive a tendência de pegar num lápis e começar a desenhar. Desenhava tudo o que via (brinquedos, objectos diversos, plantas etc)  e penso que essa tendência foi crescendo à medida que a explorava cada vez mais. Desde os primeiros desenhos que me lembro de tentar transmitir uma história na página, ainda que fosse apenas com ilustrações e não como pranchas.

Olhando para os blocos de desenho da altura – que “sobreviveram” ao passar do tempo – ainda noto esta tendência, quer fosse em guerreiros – gémeos separados à nascença que se reencontravam finalmente (apenas porque eram os únicos sobreviventes) cada um na sua facção de uma épica batalha campal – ou num simples jogo de ténis que era interrompido, porque um rato tinha resolvido brincar com a bola de ténis em jogo.

Com a introdução à banda desenhada por parte do meu irmão  – 11 anos mais velho, que coleccionava BDs de autores franco-belgas, Astérix, Lucky-Luke, Os Estrumpfes – a ligação ao mundo da 9ª arte foi também ela quase imediata. O interesse pela BD foi também aumentando à medida que ia conhecendo mais autores e estilos. Logo desde essa altura comecei a tentar reproduzir o que via nas BDs e desenhos animados, mas esta vontade ficou mais acentuada com o aparecimento de uma serie chamada Dragon Ball, que na altura passava na televisão espanhola, “Canal Sur”.

Na adolescência frequentei um pequeno núcleo de BD, em Olhão, que serviu também para estimular o gosto pelo desenho sequencial. Participei e ganhei ainda alguns concursos a nível regional.

Ao entrar para a universidade fui atraído para o curso de Design porque tinha uma vertente ligada à arte e ao desenho, embora não estivesse directamente ligado à banda desenhada senti que esse caminho poderia trazer mais-valias no meu percurso profissional, já que o Design era uma profissão em crescendo que poderia trazer alguma estabilidade financeira.

Acabei por enveredar pelo caminho do Design, durante algum tempo, mas ao fim de vários anos naquela área senti que não era bem aquilo [que queria]. Nos tempos mortos, no trabalho, quase instintivamente dava por mim a rabiscar personagens, conceitos e poses para BDs. Embora profissionalmente estivesse ligado ao design, ainda ambicionava seguir uma carreira no mundo da banda desenhada.

Tomei então essa decisão [de ser um autor profissional de BD] e comecei a tentar desenvolver portfólio nesse sentido. Ao fim de algum tempo começaram então  a surgir as primeiras oportunidades e, em 2013, vi  publicada a minha primeira BD, em território norte-americano, através da editora Zenescope.

DC: Quais são as tuas principais influências?

MM: As minhas principais influências passam pelas 3 grandes escolas mundiais de BD.

Fui bastante influenciado por mangá, tendo Akira Toryama e a famosa serie Dragon Ball sido uma das minhas primeiras e mais importantes influências.

Na adolescência fui atraído para os comics através da serie “A morte de Super-homem” e o respectivo regresso. O Super-Homem deve ter sido o super-herói que mais esbocei na vida, com grande influência de Dan Jurgens e mais tarde Jim Lee.

Finalmente, a introdução ao estilo franco-belga acabou por se desenvolver [através de] Moebius e outros autores de sucesso da BD Europeia, como  Milo Manara, que acabariam por influenciar (de uma maneira ou de outra) o meu estilo.

Mais recentemente, voltei a consumir comics americanos e seguindo referências artísticas actuais, como Francis Leinil Yu e Steve McNiven.

DC: O facto de viveres na “periferia” de Portugal (fora das principais cidades como Lisboa e Porto) teve ou tem alguma influência negativa ou positiva no teu percurso artístico?

MM: Penso que nem tanto no percurso artístico, se teve alguma influência e onde senti algumas limitações foi talvez no percurso profissional. Sem dúvida que as escolhas que fui fazendo nesse campo estiveram quase sempre ligadas ao que estava ao “alcance”. Senti o lado negativo de viver fora das grandes cidades no percurso como designer e ilustrador, por ser mais difícil contactar determinadas entidades/clientes.

A partir do momento que decidi trabalhar como ilustrador de banda desenhada, o local onde me encontro em Portugal, deixou de ter grande relevância, visto que o a editora – por enquanto a única com que trabalhei – está sediada nos Estados Unidos e todas as comunicações são feitas pelo meio digital.

Ao nível artístico, embora existam sempre influências que surgem através do local onde vivemos, não sinto que tenha sido prejudicado ou beneficiado. É verdade que os recursos por onde obter inspiração artística talvez fossem limitados na altura. Lembro-me de ir comprar revistas manga a Espanha – e cada vez que havia essa oportunidade era um grande acontecimento para mim – mas não me parece que mesmo na capital existisse abundância nesse sentido, na altura.

Numa nota positiva, senti algum apoio por parte das câmaras que incentivavam actividades ao nível regional para promover o contacto com a banda desenhada junto aos jovens.


DC: Em que estás a trabalhar actualmente?

MM: Neste momento estou a trabalhar numa serie de 6 capítulos chamada Warlord of Oz, pela editora Zenescope, baseado no universo do “Feiticeiro de Oz”.

DC: Podes falar-nos dos teus próximos projectos e planos?

MM: Por agora o plano é acabar esta serie Warlord of Oz, da qual estou a finalizar o 3º capitulo (de 6). Tenho ainda um projecto financiado no Kickstarter, no qual sou co-autor, que estou a desenvolver com o objectivo de publicar ainda este ano. Depois, os objectivos passam sempre por crescer como artista e tentar a minha sorte em editoras maiores, embora acredite que esse percurso vá acontecendo de forma natural e gradual, por agora posso dizer que tem corrido bem.

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