Feitos Para Sofrer de Kirkman, Adlard e Rathburn

Em séries longas como The Walking Dead existem álbuns que são um bom ponto de entrada para novos leitores, mas este não é o caso de “Feitos Para Sofrer”. A capa do 7º Volume da série prometia uma nova vida, porém no nono volume essa nova vida acaba por surgir – para Rick Grimes – de um modo brutal, justificando o motivo por o volume anterior ter o título de “A Calma Antes” da tempestade. Nesta edição o argumentista Robert Kirkman encena o seu “Red Wedding” numa carnificina em que poucos são poupados.

Este é o fim de um ciclo para a série, marcando a conclusão de arcos narrativos para várias personagens, sendo que o destaque deste volume pertence ao Governador, o arqui-inimigo dos residentes da prisão, e a personagem central na primeira parte do livro. O governador toma o protagonismo, na capa e no início do álbum que começa por ser a história seu regresso à vida após ter sido brutalmente atacado. É um regresso onde a sua obsessão pelo poder está bem patente, assim como o sua tendência para deturpar a verdade e manipular aqueleles que o seguem, sem que seja apresentado qualquer factor que o redima. O governador acabo por ser um bom reflexo do mundo em que se desenrola The Walking Dead.

Brutal, visceral e onírico

Sendo uma obra extremamente violenta, Walking Dead acaba por ter uma carga onírica acentuada. Kirkman optou por não utilizar cartuchos de texto para enquadrar a acção, quer a nível geográfico ou temporal. Este facto acaba fazer com que o desenrolar da acção, por vezes, seja algo onírico. O leitor não sabe exactamente quanto tempo se passou entre vinhetas, devido aos saltos temporais que existem, os quais são por vezes de vários dias. Esta situação acentua-se quando uma cena se inicia com um close-up ou grande plano de uma personagem.

Esta opção do argumentista pode causar algum “desnorte” requerendo, por parte dos leitores, alguma atenção ao diálogos, onde lhes é proporcionada toda a informação necessária para se localizarem, a nível temporal, ficando a localização geográfica a cargo de Charlie Adlard, o desenhista.

Apesar de Adlard ser eficaz nessa tarefa, um leitor que esteja a começar a explorar este universo nesta obra irá sentir-se algo perdido. Mas, como já tinha mencionado: este não é um bom ponto de entrada para novos leitores.

Os personagens de histórias de terror não vêem ou lêem histórias de terror


Existe um cliché habitual em qualquer história de terror: sempre que um grupo se separa, algo de nefasto acontece. É uma regra tão habitual que acaba por se tornar exasperante sempre que os personagens – em qualquer história de terror, do cinema à BD passando pela literatura – resolvem separar-se. Quem consome estas histórias já sabe que, a partir do momento em que o grupo se separa, as probabilidade de alguém morrer aumentam drasticamente.

Este cliché tem um motivo: realça que o ser humano é mais forte enquanto grupo do que indivíduo, em particular em histórias que têm como tema a sobrevivência de um grupo ou comunidade, como é o caso de Walking Dead. O egoísmo geralmente costuma ser punido, a moral da história é que uma comunidade só sobrevive quando está unida, e utilizas os seus esforços para o bem comum, em vez de se preocupar com o seu bem estar individual.

É esse facto que acaba por transformar exasperante o facto de as personagens estarem permanentemente a querer separar-se, por motivos distintos. Em particular porque, em situações como a que se desenrola na prisão, torna-se mais evidente que não será com esforços individuais que os personagens serão capazes de solucionar os seu problemas, todas as soluções individuais que são proposta não têm grande fundamento lógico sendo, na maior parte dos casos, reflexo de uma hubris pessoal ou do egoísmo puro, ignorando por completo as lições que os personagens deveriam ter aprendido devido à sua experiência pessoal.

Kirkman usa e abusa do cliché, mas sem o fazer de forma previsível. Fica a dúvida se o argumentista pretendia que o leitor se questionasse sobre o egoísmo humano, em situações limites, ou se está (só) a abusar de um cliché da ficção de terror.

O cinzento também é uma cor

The Walking Dead é publicado a preto e branco com tons de cinza aplicados por Cliff Rathburn, o qual pode ser aptamente classificado de colorista, apesar da existência de uma só cor. Os tons de cinza não estão presentes só para ajudar a definir planos ou criar algum contraste na arte, são um excelente complemento da arte de Adlard. É algo irónico, mas o bom trabalho de Rathburn acaba fazer com se sinta mais a ausência da cor do que em trabalhos unicamente a preto e branco, devido à relevância – dos tons de cinza – no resultado final fica a questão do motivo porque os autores não optaram simplesmente por fazer uma edição a cores.

Tal como em outras obras que optam por esta opção estilística, existem situações que a variação de tons cinza acaba por criar a impressão de uma história concebida a cores, mas impressa a preto e branco, em vez de realçar ser um trabalho concebido a preto e branco.

E os Zombies?

Se parece estranho ainda não ter mencionados os zombies, apesar de nunca serem chamados por esse nome em Walking Dead, é porque são um elemento secundário, como na generalidade das histórias onde surgem. Walking Dead é uma história sobre os seres humanos e o que são capazes de fazer para sobreviver. Uma história visceral sobre a sobrevivência do ser humano numa situação extrema.

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Título: Feitos Para Sofrer
Colecção: The Walking Dead
Argumento: Robert Kirkman
Desenho: Charlie Adlard
Cor: Cliff Rathburn
Editora: Edições Devir
Formato: 168×258 mm
Páginas: 144
ISBN: 978-989-559-235-7
PVP: 14,99€
Distribuição: 7 de Junho de 2014

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