O Elixir da Eterna Incompetência

Sérgio Godinho e Corto Maltese cruzam-se na Tormenta do ABD

Eu ri-me quando vi a página de Facebook do AmadoraBD a promover o lançamento de O Elixir da Eterna Juventende, da autoria de Fernando Dórdio e Osvaldo Medina, ri-me porque é mais um exemplo de um festival em segunda mão que chega sempre atrasado, até quando faz lançamentos recentes.

Sérgio Godinho no Amadora

Elixir da Juventude – Uma Dança no Mundo de Sérgio Godinho é o grande evento editorial a nível de banda desenhada, em particular de autores nacionais. Pela qualidade dos autores, mas sobretudo pelo capacidade que Mário Freitas, editor da Kingpin Books, teve de conseguir realizar um lançamento conjunto com o jornal Público de um álbum de autores nacionais. Pode abrir novas portas para a comercialização e, como é óbvio, remuneração de autores nacionais. Apesar de ser algo que está dependente do sucesso do álbum, o facto de ser protagonizado e explorar o universo de um dos grandes músicos portugueses aliado à qualidade dos autores não me leva a duvidar que não tenha bons resultados.

Existir um “lançamento”, que na realidade é só um sessão de apresentação, não é anormal, mas demonstra a falta de visão de quem organiza o festival.

Aquilo que vos vou indicar a seguir é aquilo que deveria ter sido realizado pelo festival, para promover o festival, os autores nacionais e tornar o ABD mais dinâmico e interessante para os visitantes.

  • Edição do álbum numa sexta-feira com o jornal Público.
  • Lançamento no sábado no AmadoraBD, em vez do lançamento no auditório do Público, contando com a presença de Sérgio Godinho, Fernando Dórdio, Osvaldo Medina e Nuno Saraiva, autor da capa alternativa.
  • O álbum que tem a capa alternativa desenhada por Nuno Saraiva, autor em destaque no festival, ao invés de ser um exclusivo Fnac/Kingpin podia ser um exclusivo AmadoraBD. Posteriormente ele podia fazer uma edição só para a Fnac.
  • O festival dedicava uma exposição ao álbum o Elixir da Juventude
  • O festival adicionava um núcleo na exposição de Nuno Saraiva com as ilustrações que realizou para Caríssimas 40 canções e as canções dos outros, o qual é constituído por ilustrações inspirados nas letras de Sérgio Godinho

Era uma maneira simples e que não ia pesar muito no orçamento de ter um evento, uma exposição ou, até duas, que justificavam uma cobertura mediática, em particular com a presença de Godinho para o lançamento. Era fácil e era barato – o festival não paga aos autores nacionais, só aos comissários; prestigiava o festival; estabelecia uma ponte entre a música e o festival, algo que podia atrair outro público; prestigiava e promovia os autores e as obras para além de honrar o passado reflectindo a sua importância no presente.

Em vez de existir um evento no festival, existiu um sessão de lançamento em segunda mão, uma vez que aquela que foi relevante é  a primeira, realizada no auditório do Público, sendo também que o público que conhece o editor e os autores sabe que vão existir outras, motivo pelo qual se não forem ao AmadoraBD irão ter outras oportunidades de os encontrar e ouvir falar sobre o seu trabalho no álbum.

Eu não perguntei ao Mário Freitas se ele propôs isto ao AmadoraBD ou não. É irrelevante se ele propôs ou não, o festival é que deveria ter-se lembrado de fazer isto. Não existe é competência e no passado o evento já revelou incapacidade para potenciar ocasiões de promoção da BD, do evento e dos autores nacionais, em circunstâncias semelhantes.

Com é óbvio isto iria transformar Sérgio Godinho num dos temas do festival, sendo mais interessante que aquele que se encontra na exposição central comissariada por Sara Figueiredo Costa. Aquilo que é importante para o ABD são os três pilares da incompetência de Nelson Dona: a exposição central, os PNBD e as efemérides. Contudo até a nível dos pilares demonstram pouca competência ou capacidade de compreender aquilo que é mais relevante para o público e o mercado.

Contudo, se em 2018 o Elixir da Juventude ganhar um prémio em 2019 teremos então uma exposição dedicada ao álbum, quando já não tiver interesse para o público e até para os autores e editores.

A Efeméride Que Contava

As efemérides são um dos pilares do festival, contudo Dona esqueceu-se da única que era realmente importante no contexto nacional: os 50 anos de Corto Maltese. Apesar dois dos autores mais relevantes da banda desenhada mundial, Eisner e Kirby são dois autores que têm pouca expressão a nível do mercado nacional. Eisner tem poucas obras editadas em Portugal, nunca tendo um acolhimento que permitisse a publicação do seu trabalho na integra; Jack Kirby só tem, tanto quanto me lembre, um álbum em nome próprio editado por cá, apesar de ter várias histórias espalhadas por alguns volumes das colecções da Levoir.

Corto Maltese é um personagem dos personagens mais populares em Portugal, está editado na integra, tem estado sido feitos reedições por diversas editoras, para além de ter tido direito a uma colecção com o jornal Público. A nova série da autoria de Juan Díaz Canales e Rubén Pellejero está a ser editada em Portugal. Uma exposição de Corto Maltese seria mais atractiva para o grande público do que Eisner ou Kirby. Se os originais de Hugo Pratt são “difíceis” os de Rubén Pellejero são mais acessiveis e uma exposição só com esse trabalho não desprestigiava o festival, em particular se coincidisse com a presença dos autores espanhois, os quais já estiveram presentes na Comic Con Portugal.

Três efemérides podia ser demais, mas isso também se resolvia: Eisner já teve direito e esteve presente no AmadoraBD, motivo pelo qual fazia mais sentido ter Kirby e Corto, Eisner podia vir para o ano…. Mas isso o Nelson já não quer, pois não?

Eisner e Kirby são dois nomes fundamentais e incontornáveis da banda desenhada mundial, podem ser realizadas exposições do seu trabalho em qualquer ano que serão sempre relevantes e vão sempre atrair público. A única vantagem do festival em ter essas exposições quando se celebram efemérides é que pode gabar-se de tomar parte na celebração internacional do centenário do nascimento do autor. Para além disso as efemérides também são uma boa desculpa para recusar propostas de comissários…

Agora creio que chegou o momento de revelar o meu relacionamento com a Arte de Autor, a qual seria a maior beneficiada com a vinda da exposição do Corto. Quando a Arte de Autor surgiu eu perguntei quem é que eles eram, a resposta foi: “é a editora do filho da Maria José Pereira”, eu não perguntei mais nada, essa senhora é uma das pessoas a quem eu chamei de incompetente em outras circunstância. Ela não gostou, não sei a opinião do filho que não lhe perguntei. Dito isto…

Se existisse um exposição do Corto a Maria José ia ficar a rir, eu não ia gostar disso e não seria o único. Eu, pessoalmente, como sou fã de Corto Maltese não me chateava muito, os outros editores que preferiam que viessem autores que eles editam eram capazes de ficar mais chateados. Esse é o verdadeiro problema para a vinda de autores estrangeiros de relevo ao festival.

Não existe dinheiro suficiente para trazer grandes nomes de todas as editoras, por isso não vêm de nenhuma, ninguém fica a rir e choram todos.

Ninguém ficar realmente chateado com a vinda do Canales e Pellejero, a Arte de Autor ia vender mais álbuns deles, mas eles também iam levar público ao festival, o qual iriam compar. álbuns de outras editoras. Isso só seria um problema, se o festival desse um tratamento preferencial à Arte de Autor sendo a única editora da qual vinham autores, mas isso era fácil de resolver: é trazer autores de relevo de editoras diferentes todos os anos. Contudo isso implicava tomar e assumir decisões, algo que o director do festival evita, prefere que as decisões sejam tomadas por inércia: deixa tudo para última da hora, por isso os potências nomes são eliminados pela indisponibilidade deles, por serem contactados demasiado tarde.

Isto é, para mim, a explicação para o facto de a Kingpin e a Polvo serem as editoras que mais autores estrangeiros foram capazes de trazer a Portugal: têm autores mais acessíveis e, para, além disso têm editores que já aprenderam a contornar a incompetência da organização, primeiro fazem contactos informais para garantir a disponibilidade dos autores.

Existem também os convidados que são na realidade convidados dos editores, mas passam a ser convidados do festival quando este descobre que afinal sempre tem uns trocos para gastar com a vinda de autores editados em Portugal. A primeira prioridade do festival são os autores inéditos e desconhecidos convidados pela comissária da exposição central, a qual este ano foi Sara Figueiredo Costa, uma situação desenvolvida no artigo sobre Marcello Quintanilha.

A Tormenta que atormenta

A exposição Os Fósseis das Belas Almas é uma exposição de Mário Freitas (argumentista) e exposição Tormenta é uma exposição de João Sequeira (desenhista) contudo ambas são exposições referentes a um álbum, só apresentam trabalhos de um álbum realizado por uma equipa criativa (argumentista e desenhista) porque motivo é que numa situação é uma exposição do argumentista e na outra é do desenhista? Não deviam ser ambas exposições das equipas criativas que os realizaram? Não sabem responder? Não compreendem o motivo porque isso acontece na Amadora? Não faz mal, eu explico. No AmadoraBD o que conta são os PNBD, como o Mario Freitas ganhou um PNBD a exposição é dele, como o João Sequeira ganhou a exposição é dele, porque na cabeça da direcção do festival a única coisa que conta é o PNBD.

Este conceito já enoja!  O conceito, para quem não sabe, é o seguinte: olha a exposição do VENCEDOR DO PNBD, um álbum que foi publicado à um ou dois anos. Já estou farto de ver exposições dessas todos os anos existem, é que existem pelo menos seis ou sete no festival, porque na realidade o festival não está interessado em promover os autores mas o facto de ter atribuído um prémio ao autor.

O João Sequeira é um autor cujo trabalho eu aprecio e, pelo menos que eu me lembre, não teve ainda um exposição individual no AmadoraBD. Tormenta é um álbum cujo argumento é de André Oliveira, o qual também escreveu Lugar Maldito, ilustrado por João Oliveira e publicado este ano. Tendo em conta este factos existem três alternativas para o conceito da exposição.

  • Retrospectiva, uma exposição que apresentava um visão sobre a obra de João Sequeira, a qual não se resume ao álbum premiado.
  • Conjunta, uma exposição dedicada ao trabalho conjunto de André Oliveira e João Sequeira, os quais também já realizaram pelo menos uma história curta para a Sobressaltos e outra para a revista Cais e publicada aqui no aCalopsia.
  • Lugar Maldito, uma exposição dedicada ao álbum editado este ano e o qual estavam a promover no festival.

Qualquer uma destas opções era mais válida e interessante que limitarem-se a fazer mais uma exposição do tipo que ganhou um PNBD. Qualquer uma destas opções premitia a promoção do último trabalho dos autores que trabalham em dupla, mas para o festival o que é importante é o PNBD. Existindo a suprema ironia de o André Oliveira ter sido vencedor de um prémio de melhor argumento e de melhor álbum, algo que deixou de ser relevante por ele não ter ganho nenhum em 2016.

Contudo os prémios são um dos pilares da incompetência de Nelson Dona, ao contrário daquilo que as pessoas pensam os prémios não são uma obcessão dos autores nacionais, são é uma obcessão do festival e o tema do festival, e o bilhete para ter uma exposição no Festival, mesmo que seja uma que é anacrónica.

O Lugar Maldito estava nomeado para três PNBD, se tivesse ganho pelo menos um, no próximo ano teria direito a um exposição, como não ganhou nenhum não tem direito uma exposição no próximo ano como não teve este ano, apesar de os mesmos autores terem uma exposição patetente no festival de um álbum que fizeram à dois anos.

Isto não tem lógica. O festival podia ter tido uma exposição retrospectiva dedicada a um autor premiado, uma exposição conjunta de dois vencedores dos prémios ou de um álbum novo de dois vencedores dos prémios, preferiu ter mais uma exposição de um tipo que ganhou o prémio.

Se o Lugar Maldito tivesse ganhou um prémio, no próximo ano não faziam uma exposição dos autores, uma vez que não fazia sentido estar a repetir uma exposição dos mesmos autores e, talvez, seja por isso que existe a rotatividade nos prémios e ninguém parece capaz de ganhar um prémio dois anos seguidos.

Um Festival não serve para promover o Mercado?

Como é óbvio todas as alternativas aqui apresentadas para programação desta edição do AmadoraBD que está a decorrer são viradas para o mercado, algo em que o Nélson Dona não parece ter interesse. Tal como Marcos Farrajota ou os seus corregilionários, Pedro Moura e Sara Figueiredo Costa; porque o mercado não sabe apreciar a “arte” de um Lobo ou de uma Baeza; porque num mercado o que determina o sucesso de um autor não é a opinião do crítico ou os cozinhados do director do festival, num mercado é o público que determina o sucesso de um autor.

O mais irónico é que existem pessoas com gostos comerciais que também consideram que um festival deva servir para promover o mercado, consideram que o festival não deve promover editoras. Esquecem-se é que se não venderem as editoras não publicam, se não venderem as editoras não remuneram os autores, se os autores não são remunerados não se podem dedicar em exclusivo à realização de obras de BD.

Para alguns o mercado é irrelevante, afinal lá fora existe mercado e pode-se sempre importar BD, do mesmo modo que se importam autores inéditos e irrelevantes para virem dirigir oficinas de fanzines. Existem pessoas que não gostam do mercado, preferiam voltar aos tempos em que não existia editoras e os autores nacionais editavam quando o rei fazia anos!

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