Antes do Livro

A exposição que o AmadoraBD 2015 dedicou a André Oliveira, já o disse aqui, corresponde a um excelente modelo de mostra, permitindo ao visitante acompanhar o processo criativo que teve lugar até á materialização em livro. Idealmente, a compra do livro fechará, complementará e prolongará a visita.

É também um modelo que assenta no princípio de que uma prancha de banda desenhada não é um objeto criado para ser uma unidade (designadamente uma unidade expositiva), mas é apenas um segmento, comprometido pela narrativa própria da linguagem da banda desenhada.

Nem sempre é fácil recolher material para fazer uma exposição interessante, mas, quando existe uma tal possibilidade, ela deve ser explorada.

A Amadora tem-se orientado regularmente para este modelo quando a mostra se centra na obra de argumentistas, em que o ponto de partida é o guião. O momento fundador deste novo tipo de exposição, que contraria a tradicional “pranchas na parede”, talvez tenha sido a mostra dedicada a Alan Moore, que comissariei com Rick Veitch para o CNBDI em 2002.

Mas já antes de 2002, embora muito excepcionalmente, houve oportunidades para mostrar o processo criativo de alguns autores. Lembro-me duma exposição de José Ruy num FIBDA (não sei precisar em que ano), muito conseguida neste aspeto.

Com muito pouca divulgação, inaugurou no passado dia 3 de dezembro uma nova exposição temporária na Bedeteca da Amadora. A exposição chama-se precisamente Antes do Livro, e inclui 24 trabalhos, entre originais e fotocópias, apresentando os vários processos de trabalho que estiveram na raiz do álbum de narrativa gráfica O Livro dos Dias, de Diniz Conefrey. Seguindo a apresentação do próprio autor no blogue Quarto de Jade, a mostra inclui “desde estudos ambientais realizados nos anos 90, passando pela abordagem compositiva dos desenhos ou as várias fases de finalização das pranchas originais”, pretendendo “dar uma perspectiva do trabalho interior e complementar subjacente a uma narrativa em extensão; baseando-se naturalmente numa prática particularizada de abordagem e modo expressivo no campo da banda desenhada”.

Diniz Conefrey é um autor que tem uma compreensão exemplar do que é a linguagem da banda desenhada, na sua construção (como autor) e percepção/participação (como leitor).

Seguindo a apresentação que Diniz Conefrey e Maria João Worm fazem no PSPY – Portuguese Small Press Yearbook 2015, O Livro dos Dias, em destaque nesta exposição, “acompanha a educação de um escriba-pintor de códices pictográficos, no México pré-hispânico, até ao desfecho da consciência histórica da destruição do seu mundo”.

Trata-se de uma obra que tem um “antes do livro” de grande riqueza, e que constitui certamente um exemplo de processo de trabalho com grande interesse para quem se interessa por questões técnicas de banda desenhada. Para o público em geral, mesmo para aqueles que não conhecem o trabalho de Diniz Conefrey nem se interessam particularmente por banda desenhada, é a oportunidade de descobrir um autor cuja obra é sempre visualmente muito apelativa, e, por esse caminho, descobrirem um pouco como é que se chega a um livro de banda desenhada.

A mostra fica até ao dia 2 de Janeiro de 2016.

 

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