2017 em Balanço

Um pequeno balanço sobre o ano que terminou a nível editorial e sobre o futuro do aCalopsia.

Existe quem apelide 2017 de um ano de ouro, como é habitual eu ser do contra não vou defraudar os leitores. A usar expressões como “ano de ouro” é algo complemente subjectivo no mercado português de BD porque não existem dados sobre as vendas, pelo que o único dado que existe é o número de edições, capítulo onde existiu um número bastante elevado de novidades. Já existiram outros anos em que se louvou o dinamismo do mercado nacional de BD devido ao número elevado de edições para uns anos depois se verificar que esse dinamismo era fogo fátuo.

Estou a falar, obviamente, dos anos da implosão do mercado da BD em Portugal no início do século. A diferença que existe entre 2017 e 2003/2004 é que agora o crescimento que existe parece ser fruto de um crescimento de projectos existente complementado pelo surgimento de novas iniciativas editoriais. Por esse motivo não é provável que se venha a verificar um quebra brutal a nível de edições no futuro, embora seja natural existirem reajustamentos como em qualquer mercado.

A edição de material estrangeiro

A nível da BD traduzida o destaque vai para a Levoir, Goody, G. Floy e Devir. A Asa apesar de continuar a ser uma das editoras mais activas no mercado parece ter-se tornado só numa editora de séries de grande rotação, é a conclusão que se pode chegar quando se olha para a actividade editorial da editora e para séries que deixou fugir.

O grosso das novidades da editora foram as duas colecções publicadas com os jornais (Túnicas Azuis, Airborne 44 e Valérian), para a livrarias limitou-se a editar seis álbuns (Jim Del Mónaco, Lucky Luke, Kid Lucky Luke e Astérix). Este tem vindo a ser o padrão da editora nos últimos anos. Quando a editor deixa escapar séries como Corto Maltese é fácil de chegar à conclusão que não deve bastar um série ser rentável para ter a continuidade garantida. Por isso não será surpreendente se outras séries da Asa, como o já mencionado Corto Maltese e Bouncer, venham a ser editados pela Arte de Autor. Existem séries que são rentáveis, dão lucro mas podem não ter o retorno que uma editora pretende, mas são aposta segura para outra editora. Por enquanto parece não se vislumbrar é uma aposta em séries franco-belgas recentes, sem personagens ou autores “clássicos”.

A edição de BD norte-americana é que se tornado preponderante, principalmente a nível da BD Marvel a qual foi editada por G. Floy, Goody e Salvat. A edição das revistas/colecção da Goody foi a grande novidade de 2017. É um projecto ambicioso que se vai estender por 2018 e que garante novidades todas as semanas e a edição cronológica das histórias. O lado menos bom para a Goody em 2017 foi a edição da Disney que começou de modo tributante, teve uma nova vida com o lançamento das revistas Tio Patinhas, Mickey e Donald, mas que terminaram suspensas por tempo indeterminado sendo provável que regressem em 2018. Com altos e baixos a verdade é que a Goody continua a ser a única editora a apostar no mercado das bancas e a existência de revistas continua a estar dependente das decisões e sucesso que a editora tiver.

As únicas edições que parecem ter sucesso garantido neste canal de distribuição continua a ser as colecções de jornais, as quais permitiram que existissem umas dezenas de edições de franco-belga, DC Comics e material de diversas proveniências na colecção Novela Gráfica. Uma das editoras em destaque em 2017 voltou a ser G. Floy, com apostas de ocasião no caso da edição de material da Marvel e com uma grande aposta na BD de editoras independentes, em particular da Image, com a edição de alguns dos grandes nomes e séries da actualidade.

O mangá continua a ser a área em que a Devir continua a distinguir-se, tendo editado 33 títulos em 2017, 31 de mangá shonen e dois livro da coleção Tsuru, a qual se destina um público mais “maduro”.  Esta colecção veio trazer alguma diversidade à oferta de mangá que existe no mercado, a qual se encontra se encontra unicamente dependente da Devir, já que é a única editora a apostar neste material. A edição de material norte-americano continua a ser o calcanhar de Aquiles da editora, ao qual não deverá estar alheio as mudanças que aconteceram no mercado nos últimos anos.

Walking Dead apesar de ser um colosso de vendas nos EUA não teve nenhum volume editado em 2017, as quebras nas vendas da série em Portugal podem implicar que venha a ter a sua continuidade num formato diferente daquele que foi utilizado até agora. Apesar de ter editado novos volumes de Gumball e Hora de Aventuras, direcionadas a um público mais jovem, das outras séries norte-americanas só foi editado um volume de Criminosos do Sexo. Contudo a nível de romances gráficos editaram dois volumes de Parker, Shenzen e Do Inferno para além dos já mencionados volumes da colecão Tsuru, O Homem que Passeia e Nonnonba. A esta aposta em romances gráficos em deterimento das séries regulares de comics não está alheio as mudanças que se verificaram nos últimos anos, em virtude das colecções com jornais e co-edição e com as revistas/colecções da Goody, que vieram transformar os TPB em capa mole (como a Devir editava) num formato algo obsoleto.

Actualmente o público português está mal-habituado a álbuns com 120 páginas em capa dura a 9.95€. Apesar de compreender que os leitores gostam de ter álbuns a preços acessíveis convém relembrar que estas obras estão a ser comercializados em Portugal a preços mais baratos que em mercados com dimensão superior. São preços impossíveis de manter com tiragens regulares, em álbuns feitos para as livrarias sem ser em co-edição.

As colecções com jornais tem sido um dos grandes motores para o boom editorial que existe, para além de serem uma boa maneira de levar a BD até um público mais vasto. Os preços mínimos da Levoir e G. Floy acabam por ter consequências a nível do mercado geral. A principal vitima por agora parecem ter sido as edições em formato americano em capa mole. O lado positivo é que ninguém parece louco ao ponto de tentar fazer preços mais baratos e editora como a Planeta fazem edições em formato americano a 16 euros, aquele que é o preço de mercado para qualquer edição com uma tiragem normal com aquele número de páginas.

Os único reajustamentos de preços que se tem verificado é no aumento do preço de algumas colecções e em edições da G. Floy, contudo como a Goody anda a editar TPB em capa mole a 8 euros, é pouco provável que num futuro próximo existam muita editoras a apostar em edições nesse formato para livrarias.

Em 2017 a Levoir e a G. Floy continuaram com as edições que as tem caracterizado, a Salvat continuou a editar a colecção Graphic Novels da Marvel e a Saída de Emergência voltou a apostar na edição de BD com Nimona e Monstress.

A banda desenhada brasileira também continuou a ser uma aposta de editoras que se tinham distinguido pela edição de BD portuguesa, constituído o grosso das edições da Polvo e Kingpin Books.

Apesar da preponderância de material da Marvel, por ser aposta de três editoras, existiu variedade e BD proveniente de todas as latitudes.

A edição de material português

A nível de autores nacionais o destaque foi a Escorpião Azul com nove edições, apesar de algumas lacunas naturais em que editada material de autores jovens, a Escorpião surgiu como sendo mais uma alternativa para os autores nacionais publicarem e foi a editora mais dinâmica, seguida pela Chili Com Carne, num ano em que a Polvo e a Kingpin Books tiveram uma actividade discreta, apesar da co-edição de O Elixir da Eterna Juventude com o jornal público ser algo que pode abrir novas portas aos autores/editores nacionais.

A Comic Heart editou em co-edição com a G. Floy dois volumes da antologia The Lisbon Studio Series e Hanuram. A Procyon estreou-se na edição com Tuurg, o Pintor Rupestre e a reedição de Zé Inocencio. A Asa e Tinta da China continuaram a apostar nos autores habituais: Louro& Simões e Melo & Cavia.

Apesar de existirem mais de meia dúzia de editoras a publicarem autores nacionais, alguns ainda optaram por auto-editar álbuns como Zé Burnay (Andromeda), Ricardo Santo (Livro Sagrado) e Gandim (Congo, Um Mundo Esquecido), isto é claro sem contar com fanzines ou antologias como a H-Alt e Apocryphus.

Pode não parecer mas até existiram bastantes edições de autores nacionais, continua a ser é maioritariamente com tiragens pequenas e por pequenas editoras. Para os autores nacionais pouca coisa mudou, a única forma de serem remuneradas é trabalhando para o exterior, algo que cada vez existem mais autores a fazerem.

Os eventos

A nível de eventos 2017 não aqueceu nem arrefeceu, foi mais do mesmo: Beja a ser elogiada mas sem atrair o público que não está para se deslocar até ao Alentejo, a Amadora a decepcionar como é usual e a Comic Con a ser um festival de cultura popular onde a BD é algo secundário.

Sobre a Amadora já escrevi muito e é provável que escreva ainda mais, contudo existe algo que é importante salientar: a relevancia que o evento tem para as editoras, um dos principais motivos porque é sempre mais do mesmo.

Os número de visitantes-compradores que visitam o AmadoraBD é uma incógnita, o número oficial que costuma circular desde à uma ou duas década é 30 mil visitantes, contudo é um número que se refere maioritariamente a escolas. Contudo mesmo que o número de visitantes-compradores seja cinco ou dez mil é o suficiente para justificar a presença das editoras, em particular quando tem tiragens de 500 ou 1500 exemplares. É que os visitantes do AmadoraBD são compradores de BD o que significa que é sempre uma boa maneira de vender álbuns, seja para escoar material antigo em promoções (como a Asa costuma fazer) ou para vender novidades, motivo porque existe sempre um número absurdo de edições durante o evento.

O facto de os editores aproveitarem o evento para fazer lançamento é normal, contudo o número de lançamento que existe durante o ABD e o resto do ano é completamente absurdo, e começa a ser mais absurdo a cada ano que passa. É que devido ao número de lançamentos que se verificam existem obras que passam completamente despercebidas.

Esta é uma das incongruências do festival, é que apesar do seu cariz cada vez mais “autoral” a sua relevância é meramente comercial. Mas honestamente já começo a ter pouca paciencia para falar sobre a Amadora.

A Comic Con voltou a ser um sucesso, mas foi realizada sobre o espectro da mudança de local para Lisboa. Este ano voltou a ter foi uma baixa presença de editores de BD algo que se vem tornando habitual. Os motivos porque isso sucede é algo que merece ser aprofundado, talvez este ano, porque independentemente de ser no Porto ou em Lisboa devemos lá regressar e então será uma altura mais indicada para abordar essas questões. Por agora convém só salientar que os 50 ou 100 mil visitantes da Comic Con, nunca lá foram derivado à BD, basta ter em conta as tiragens dos álbuns em Portugal, em particular dos autores portugueses para se compreender isso. A grande questão é se é possível tranformar esses visitantes em compradores de BD e como é que uma organização gere o facto ter um evento com comic no nome, mas cujo verdadeiro atractivo não são os comics que é só outra palavra para banda desenhada.

As figuras do Ano

Francisco Sousa Lobo e Fernando Relvas foram as figuras do ano, algo que deveria fazer as pessoas pensarem. Sousa Lobo porque após ser um dos autores mais publicados e promovidos nos últimos anos foi o grande vencedor do PNBD e do Galardões BD, vencendo o prémio de melhor álbum e melhor argumento. Algo que serve para provar que afinal não existem assim tantas diferenças entre os dois prémios… Quanto à qualidade do trabalho já me mencionei e  não vou perder muito mais tempo com isso, em particular porque devo ser das poucas pessoas (para além da generalidade do público) que não reconhece o suposto talento do autor. Contudo será sempre um bom argumento para quando se falar na relevância que os prémios tem em Portugal na promoção da BD.

Fernando Relvas foi figura devido ao seu falecimento, foi um dos autores mais importante da BD portuguesa dos últimos 40 anos, contudo o seu falecimento passou despercebido a alguns sites que era suposto serem especializados sobre BD. Para além disso para a maioria do público será um nome praticamente desconhecido porque a maioria da sua obra não se encontra disponível.

2017 foi um ano em que se editou muita banda desenhada, contudo não foi muito diferente dos anos anteriores no que diz respeito aos autores nacionais.

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