A Nova Vida de Penim Loureiro

Penim Loureiro é um "novo" autor português que aos 50 anos renasceu para a BD com o álbum Cidade Suspensa, editado pela Polvo.

Num país como Portugal em que existe um mercado de BD – débil – existem estreias prometedoras que deixam um travo a amargo na boca dos leitores. Os supostos novos autores estão longe de serem novos, não estamos perante um jovem talento de emergente de 20 anos. A promissora estreia é de um adulto com uma longa experiência de vida, que lhe permite boas obras, mas deixa sempre a dúvida: que autor de BD poderíamos terse o mercado nacional fosse diferente e proporcionasse aos autores a possibilidade de desenvolverem uma carreira desde tenra idade, como seria natural?

Um bom exemplo é Paulo Monteiro que se “estreou” na BD aos 43 anos, com o álbum “O Amor Infinito Que Te Tenho e Outras Histórias”, editado pela Polvo em 2010. Um álbum galardoado com diversos prémios nacionais e internacionais, sendo o álbum de BD português mais traduzido de sempre. Que autor seria Paulo Monteiro noutro mercado? Nunca o saberemos. Só poderemos saber que autor será nesta realidade em que vivemos, em que a produção dos autores está dependente do espírito do seu sacrifício, para se dedicarem no tempo livre a uma arte que não lhes garante o retorno financeiro necessário para viverem.

Um caso semelhante sucede agora com outro “novo” autor, agora também editado pela Polvo, Penim Loureiro. A comparação pode não ser justa, porque o álbum só agora foi editado, mas os autores pertencem quase à mesma faixa etária, a maioria do público só os vai descobrir após terem passado da casa dos 40. Contudo,“Cidade Suspensa” não marca a estreia de um novo autor, mas um regresso, após 30 anos de ausência.

Nascido em 1963, Penim Loureiro é um autor que já tem alguma obra desenvolvida ao longo de cinco anos, entre 1979 e1984, em jornais como o Sete, O Diário, Notícia ou Diário Popular, nas revista Tintin, Jornal de BD, Ruptura, Ritmo, Amargem, no Boletim do CPBD e na revista espanhola Un Fanzine Llamado Camello. Nesse período de tempo, foi também presença regular em concursos e exposições de BD em Portugal.

Foi. Deixou de ser. Em 1984 abandona a BD para se dedicar à arquitectura e, mais tarde, à arqueologia. Parecia fadado a ser mais um – na extensa lista – dos “novos autores” que desaparecem sem deixar rasto pois nunca chegamos a ver a maturação do potencial que lhes é reconhecido, ficando só algumas curtas histórias como promessa de um talento promissor.

Quem consultar as rubricas dedicadas aos “novos autores”, que Geraldes Lino entre outros escreveram, pode constatar como é longo o o rol de autores promissores que desaparecem, Por vezes, parece que a BD nacional é constituída por duas classes: “os novos autores” e os eternamente “velhos autores” – como José Ruy ou José Garcês. Os novos autores são como o Peter Pan – eternamente novos – pois nunca chegam a desenvolver uma carreira de autores de BD, dedicando-se a outras artes e oficíos. Felizmente, nos últimos anos tem-se vindo a ter alguns autores que já atingiram a “meia-idade” com um produção regular de trabalhos. Seja por casmurrice (e mérito próprio dos autores portugueses) ou devido a pequenas editoras que foram surgindo – como a Polvo de Rui Brito, que agora patrocina o renascer de Penim Loureiro.

O autor de “Cidade Suspensa” não tem pejo em admitir que o projecto é “mais um para adicionar às múltiplas de obras de catarse produzidas na actualidade”, contudo existem obras de ficção que vão para além da mera masturbação artística e permitem a catarse colectiva dos leitores que se deixam imergir nesse mundo, justificando o porquê da BD ser considerada uma arte.

Realizado sem ter nenhuma edição assegurada, a obra começou a ser revelada na página que o autor criou no Facebook para o efeito, posteriormente aqui no aCalopsia, e agora em álbum e na exposição que esteve patente no X Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, onde também estão visíveis alguns dos seus trabalhos mais antigos, permitindo (re)descobrir o seu passado e presente do Penim Loureiro, embora seja nas páginas do álbum que poderemos aferir que autor temos actualmente e que autor poderemos vir a ter no futuro.

“Cidade Suspensa” é uma autobiografia ficcionada “que procura arrumar, definitivamente, alguns episódios e questões reais por resolver”, foi deste modo que o autor apresentou a obra. Rui Brito, o editor, realça que é uma obra com “várias referências ao imaginário português”. Esta descrição algo vaga pode remeter para trabalhos intimistas e soturnos – poderá ser o caso, mas as primeiras imagens sugerem um ambiente mais jovial, embora denso. Fruto da utilização da cor realizada por Penim Loureiro, que captura o calor de África e a luminosidade de Lisboa. Uma da das primeira imagens a ser divulgadas, e que que chegou a ser considera para a capa do álbum, remete automaticamente para uma das obras de referência da ficção científica: “O Incal” de Alejandro Jodorowosky e Moebius. A sinopse aponta para um policial que se desenrola entre Lisboa e África com passagem por Bolonha e Nova Iorque, com malas misteriosas, ataques bombistas e uma trama que se desenrola ao longo de décadas. Um painel de azulejos onde a vida se torna ilegível com o tempo com a erosão do tempo. Os destinos interrompidos; as paixões imaginárias e as obsessões duma vida inteira conduzem as personagens “à insanidade, comungando uma amizade com duas caras; uma leal, outra enganadora”.

“Cidade Suspensa” possui ingredientes que aguçam a curiosidade e que me levaram a pré-publicar uma antevisão no aCalopsia, quando o álbum ainda não tinha editora. Este facto pode ter levado a alguns equívocos, como o convite para escrever este artigo (para o Spaft!). Não conheço Penim Loureiro, nem a sua obra passada – quando ele abandonou a BD eu ainda não sabia ler nem escrever. E confesso estar mais curioso em ver que autor temos no presente e que pistas esta obra deixa sobre o autor que podemos ter no futuro, do que olhar para o passado de um promessa que só agora se concretiza.O que já foi possível ver online justifica ler “Cidade Suspensa”, (re)descobrir, e avaliar, este “novo” autor que aos 50 anos renasce para a BD.


Artigo publicado no Spaft! – Caderno da Bedeteca de Beja Nº10, Maio de 2014. As fotos referentes à exposição no Conservatório Regional do Baixo Alentejo – integrado no X Festival Internacional de BD de Beja – foram retiradas do Kuentro, onde a versão original do texto foi publicada sem autorização do autor.

Written By
More from geral
A Pior Banda do Mundo Vol 1, de José Carlos Fernandes
O primeiro impulso de quem começa a ler A Pior Banda do...
Read More
Leave a comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *