A partir daqui, quando se faz um evento de banda desenhada, é preciso tomar uma opção de conteúdo: devemos dirigir-nos ao grande público ou ao público conhecedor da banda desenhada?
O AmadoraBD tem apostado com sucesso no grande público. Todos os anos, o festival é visitado por gente que não dedica especial atenção à banda desenhada ou à compreensão da sua linguagem. Gente que, verdadeiramente, nem faz grande ideia do que é um festival de BD. A consagração de um tema tem sido importante neste aspeto, porque fornece uma primeira referência.
No entanto, dois factores têm contribuído para um decréscimo do peso do festival no projeto cultural da Amadora. São factores universais, não exclusivos da realidade da cidade da Amadora, e que estão ligados a essa opção pelo grande público. Por um lado, há cada vez menos contacto com o livro, e com o livro de BD em particular. Há muito que a BD deixou de ser a linguagem popular, que chegava regularmente ao grande público. Em consequência, cada vez há menos noção do que está exposto (que foi feito para ser impresso e constituir a parte de um todo, e não para ser exposto). Por outro lado, há cada vez menos contacto com este tipo de eventos culturais, havendo que fazer um esforço suplementar para motivar o público, e quebrar uma apatia que se generalizou. Em países como a França ou os Estados Unidos, em que existem verdadeiros mercados, a vertente comercial sustenta bem qualquer evento de banda desenhada. Em Portugal, as coisas são um pouco mais complicadas.
Dentro do grande público, merece destaque a aposta que o AmadoraBD tem feito junto das escolas, que, apesar de válida, deve merecer ainda maior atenção e desenvolvimento.
Não me canso de repetir o resultado duma sondagem realizada em França e divulgada no mês de Janeiro de 2001: 86% dos adultos inquiridos entendiam que a leitura da banda desenhada deveria ser incentivada na escola. Trata-se de uma mudança de rumo extraordinária em relação ao que se passava há alguns anos, quando se entendia que a banda desenhada era uma inimiga da salutar leitura.
Vários factores poderão procurar explicar esta nova posição da sociedade face à banda desenhada. Em primeiro lugar, em termos narrativos, os adultos que defendem o incentivo da leitura da BD nas escolas têm hoje acesso a uma banda desenhada muito diferente daquela a que os seus pais tiveram acesso. A banda desenhada chegou a géneros mais vocacionados para o público adulto, e acabou mesmo por ultrapassar a barreira do género. Existem romances, tratados e teses em banda desenhada. Em segundo lugar, em termos de realização gráfica, também resultante do avanço tecnológico, a banda desenhada começou a reivindicar um estatuto de arte que levou a que deixasse de ser tão mal vista. Hoje, há museus e galerias de banda desenhada. A frase “A única coisa que lamento na minha vida é não ter feito banda desenhada” é atribuída a Pablo Picasso. Em terceiro lugar, os concorrentes da banda desenhada em termos de entretenimento infantil são vistos como “menos edificantes”. A Internet, os jogos de video ou a televisão são tidos como mais ameaçadores para a (má) formação da personalidade do que a banda desenhada. Em quarto lugar, ligado ao factor anterior, aqueles concorrentes menos edificantes são muito mais bem sucedidos do que a BD ou o livro. Pelo que a banda desenhada, na medida em que a sua linguagem se aproxima mais da dos concorrentes, pode ser a salvação da leitura junto das novas gerações.
A questão reside em saber como é que se pode incentivar a leitura da banda desenhada nas escolas, e o que é que a cidade da Amadora pode fazer por isso. Releva que na Amadora, uma das maiores cidades portuguesas em termos de população, existe uma única livraria, e algumas papelarias e tabacarias que vendem livros. O contacto com o livro é, sobretudo, fomentado pela Câmara Municipal. O trabalho específico em torno do livro de BD pode ser um traço distintivo do plano da cidade.