Gauleses à Moda da Escócia, Uma Crítica a Astérix Entre os Pictos

Astérix entre os Pictos
Argumento: Jean-Yves Ferri
Arte: Didier Conrad
Edição/reimpressão: 2013
Páginas: 48
Editor: Edições Asa

O álbum mais aguardado do ano não deslumbra mas não decepciona, o que tendo em conta ser o primeira aventura do Astérix pela mão de outros autores, que não os seu criadores, já não é dizer pouco.

Os últimos álbuns escritos e ilustrados por Urdezo foram sucessos de vendas, que não conseguiram o mesmo êxito em termos de satisfação da crítica, e dos leitores, fazendo que a sombra de Goscinny, passados 30 anos após ter falecido, continuasse a pairar e a ser ponto de comparação. O primeiro álbum da dupla Jean-Yves Ferri e Didier Conrad, pode não matar as saudades do estilo único de Goscinny, contudo não borra a pintura. Pese embora o facto de os autores jogarem pelo seguro, não ousando por em causa a fórmula de sucesso da série.

Em parte, “Astérix entre os Pictos” lê-se como uma antologia dos melhores momentos da série em que todos os elementos que a tornaram popular estão presentes, assim como todos os clichés que se esperam num álbum Astérix, alguns sem terem qualquer utilidade para a narrativa do álbum. Jean Yves-Ferri tinha mencionado, antes da edição do álbum, que esta aventura era uma homenagem aos álbuns da década de 70, os quais tinha lido na sua juventude e que foram uma influencia para ele. A homenagem está bem presente.Demasiado até. Ferri ousa pouco em sair da fórmula e gasta muito tempo  brincar com todos os “brinquedos” que foram á sua disposição. Existe umaprimazia, excessiva, do humor em detrimento da aventura. Para uma história que era suposto acontecer entre os Pictos a realidade é que metade do álbum se passa na aldeia, naquilo que não é mais do que um pretexto para Ferri poder brincar um pouco com os personagens que a habitam, mas que vão ter pouca relevância para o desenvolvimento daquela que deveria ser a narrativa principal do livro.

O humor de Ferri por vezes é fácil e abusa dos trocadilhos, embora aqui seja obrigado a dar um pouco o benefício da dúvida ao argumentista francês que pode estar a ser vítima da tradução, em particular do directriz que a Asa implementou de traduzir (quase) todos os nomes dos personagens da série. O meu conhecimento de francês é parco, mas é o suficiente para perceber que se existe um trocadilho no nome de Mac Oloch, ele é um pouco mais subtil que o Mac Brasa em que o personagem se torna, Do mesmo modo que Mac Abbeh é um pouco diferente de Mac Abro, são trocadilhos que acabam por tornar o álbum quase numa paródia da série com os Mac Pictos, os gaulix e o romanus.  A opcção de chamar Bonemine deBoa Pinta acaba por distraír dos diálogos, existindo alturas em que os torna quase incompreensiveis, já que a opção é de utilizar usa nome traduzidos com trocadilhos seriam mais funcional e causava menos confusão no leitor a aglutinação das palavra para distinguir mais fácilmente a Boapinta da “boa pinta”. Esta opção estilística do editor acaba por ser  contraproducente.  Matesétix pode ser mais fácil de dizer que Abraracourcix, contudo existe algo que se perde. Esse detalhe de tradução pode explicar um pouco o excesso de trocadilhos que existem, e que acabam por suceder a ritmo abusivo, ao ponto em deixarem de ter piada e começarem a ser simplesmente chatos.

Num álbum que é um pouco parado, esses pormenores acabam por contar, mas isso é algo em que o  Ferri não é o único culpado. Culpa própria, de Jean-Yves Ferri e algo que deve rever, é a construção da história, não existe qualquer tipo de perigo real, ou reviravolta no argumento.  Parte desse problema deve-se ao tempo em que a história se passa na aldeia. Essas sequências  que servem para  os autores, e os leitores,  reverem velhos conhecidos tem pouco influencia no desenrolar daquela que devia ser a história principal: ajudar Mac Brasa na sua demanda.

Depois de desperdiçar a primeira metade do álbum na aldeia a segunda metade do álbum é mais um passeio pela Escócia do que uma aventura na Escócia. Os eventos sucedem-se de uma maneira casual até ao confronto final. Esse confronto final acaba por provar que Ferri deveria ter apostado um pouco mais na aventura, é que o final é digno de Astérix, e do que se espera de um álbum de Astérix. Contudo acaba por ser um desfecho rápido que tem sobretudo o condão de não deixar qualquer ponta solta. Um preocupação demasiado grande, até como com o aparte de justificar a existência do monstro do Loch Ness, que neste álbum se revela  ser uma simpática ”lontra”.

Ferri ousa pouco, e existe muito pouco que se possa dizer sobre o que poderá ser o seu Astérix, mas como o próprio mencionou, este álbum é uma homenagem ao álbuns clássicos de Astérix. E acaba por suceder nesse aspectos, somo presenteados como momentos que já presenciamos e terminamos com uma pequena sensação de dejá vu. Existe demasiada homenagem, a começar pelo próprio personagem de Mac Brasa que é uma homenagem ao Umpá-Pá de Goscinny e Urdezo.

As referência e homenagens,  que são efectuadas a pessoas e eventos fora do universo tradicional de Astérix, remetem também para um passado já algo distante. É o caso de Laurel e Hardy, o bucha e o estica, que poderiam muito bem ser uma referência efectuada por Goscinny e Urdezo nos tempos áureos da série. A homenagem a Vicent Cassel, como MaC Abro, acaba por nos trazer um pouco para um presente e relembrando que a história não foi escrita à 30 anos. Contudo é um pormenor, podiam existir mais. “Asterix Entre os Pictos” peca sobretudo pela falta de ousadia de Ferri, que não assume uma voz própria, limitando-se  a trilhar o terreno seguro da homenagem que não irá decepcionar, os fãs da série, mas adiciona muito pouco ao seu imaginário.

A arte de Conrad, curiosamente, acaba por ousar um pouco mais que o argumento de Ferri. Didier  Conrad, que foi a segunda escolha para ilustrar “Asterix Entre os Pictos”, só dispôs de 6 meses para realizar o álbum.O que complicou uma tarefa já era  era complicada, precisava manter a essência do desenho de Urdezo, mas sem se limitar a ser um clone do mesmo.

O desenho de Urdezo é característico, e acabou por se tornar no estilo de desenho que se espera (exige) de um álbum de Astérix. Do mesmo modo que Os Simpsons ou os personagens Disney tem estilos de desenho característicos, o traço de Urdezo tornou-se no modo de desenhar estas personagens e este universo. Conrad já tinha trabalhado em duas séries com desafios semelhantes: Kid Luky e Marsu Kids. Astérix é a terceira série que desenha em que se tem de cingir a um estilo de desenho pré estabelecido por outro desenhista, o que já lhe valeu o elogio de copista, como se Conrad se limitasse a emular o estilo dos autores que o precederam.

Conrad consegue seguir o estilo pré-definido por Urdezo, mas sem se transformar num clone completo. Existe um detalhe, um pequeno promenor que se torna na sua assinatura e permite destingir o traço de Conrad do de Urdezo: a arte-final do desenho. Urdezo utilizava um traço (mais) uniforme, Conrad opta por pinceladas rápidas que tem uma variação de traço e deixam linhas incompletas tornando o desenho mais expressivo. É um pormenor que ao início pode causar alguma confusão, no leitor, é que apesar de o estilo de desenho ser familiar, ser exactamente o que se espera de um álbum de Astérix, existe um pormenor que faz com que seja diferente, o que ao principio pode levar à tendência de se pensar que existe algo de errado com a arte. Não existe, é simplesmente um opção de arte-final que acaba por ser a grande diferença entre Conrad e o seu predecessor e que permite distinguir o traço de ambos. Alguns detalhes e particularidades próprias do desenhista vão sobressaindo. Não existe uma adesão completa de colagem ao desenho de Urdezo, se Conrad o desejasse poderia tê-lo realizado. Alterando a opção de arte-final ficaria mais próximo do original. O que existe por parte de Conrad é a adesão ao estilo de desenho que se tornou no modo de desenhar aquelas personagens.

É ao nível da planificação das pranchas que Conrad (e Ferri) acabam por ser completamente fieis ao álbuns de Goscinny e Urdezo utilizando como base  o esquema padrão da BD franco-belga de linha clara, clássica, de que Astérix é um dos expoentes máximos. O esquema é clássico,  e reforça a ideia colagem ao original. A variação que existe é minima e está presente no pincel de Conrad, que sendo gráficamente competente, acaba por ter pouco espaço para demonstrar a sua voz, contudo, não deixa de mostrar a sua excelência com um boa composição das vinhetas
.

Falta algo para este álbum ser na realidade um Astérix de Ferri e Conrad, mas esse não parece ter sido o objectivo dos autores (ou dos editores). A grande virtude de “Astérix Entre os Pictos” acaba por ser também a sua grande falha: é mais um álbum de Astérix. Não é mau, nem é excelente, é mais uma aventura que não vai decepcionar os fãs, mas tem muito pouco a oferecer a quem já não gostar da série mas também não é para esses que o álbum foi realizado. “Astérix Entre os Pictos” foi concebido  para os 5 milhões de fãs que tornam Astérix num sucesso de vendas mundial. Nesse aspecto Ferri e Conrad sucederam em pleno, resta saber se nos próximos álbuns, com menos pressão sobre os ombros terão pejo, ou desejo, de ousar ir mais além correndo o risco de alienar uma base de leitores tão vasta.

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