Solidariedade e BD

Ainda não falei em detalhe da importância da banda desenhada para o que o executivo municipal da Amadora designa por “Amadora solidária”.

Em 2011, o AmadoraBD teve por tema o humor. Osvaldo Macedo de Sousa, mais ligado a formas de linguagem gráfica de maior imediatismo do que a banda desenhada, como o cartoon ou a caricatura, foi convidado para comissariar a exposição central, e teve a oportunidade – que aproveitou – de fazer a ponte entre todas estas linguagens, sendo certo que a moderna banda desenhada descende do cartoon, e nasce do humor.

O facto de Osvaldo de Sousa ter permanecido mais ligado ao cartoon ou à caricatura, significa que ficou mais próximo da temática do humor. Algumas das suas ideias em torno do humor merecem alguma reflexão, face ao atentado do passado dia 7 de Janeiro.

Uma destas ideias assenta no princípio de que o humor causa medo… porque entra na alma das pessoas. É uma ideia interessante, ligada – mesmo para quem não acredite na alma – àquilo que nos torna humanos. O humor, incluindo a capacidade para nos rirmos de nós próprios, é um sinal de inteligência humana. E é necessário ter humor para chegar mais adiante, e poder apreciar o humor mais refinado, ou desconsiderar o humor fácil, ou não se identificar com o humor de mau gosto. De resto, sobre este “chegar mais adiante”, Osvaldo de Sousa tem feito notar que não existe nas escolas o trabalho de “pedagogia do humor”. É um facto. E esta pedagogia também se faz pelo reforço da solidariedade, e da integração social, aceitando a diferença (designadamente a diferença cultural), de modo a que não se identifiquem determinadas culturas com movimentos extremistas que nelas existem.

A banda desenhada, justamente por ser menos imediata e menos agressiva, pode potenciar este trabalho (e, numa pequeníssima escala, foi o que se procurou fazer em 2011). Na Amadora, a realidade multicultural faz parte da identidade da cidade. A partir de meados da década de 90 do século passado, ou seja, numa altura em que já existia AmadoraBD, o sociólogo Fernando Luís Machado começou a chamar a atenção para a realidade que designa por “novos luso-africanos”. A expressão refere-se aos que são normalmente designados por “imigrantes de segunda geração”: os que “nasceram e/ou foram socializados no quadro da sociedade de acolhimento, onde sofreram a influência poderosa de contextos como a escola, mas também dos media, da cidade ou das suas redes de sociabilidade juvenis. A cultura é, inevitavelmente, produto disso mesmo, por maior que seja a importância da família e por mais que ela constitua um espaços fechado de reprodução da cultura de origem”.

Relativamente aos novos luso-africanos colocam-se questões específicas de integração social, resultantes sobretudo das naturais contradições de quem está situado entre duas culturas, ou com um sentimento de pertença relativamente a duas culturas, sem que se verifique verdadeira aceitação por qualquer delas.

Para além destas questões problemáticas de integração, os novos luso-africanos constituem também uma oportunidade específica, podendo constituir um importantíssimo espaço de mediação entre os dois universos culturais de onde receberam contributos de socialização.

A banda desenhada pode desempenhar, também aqui, um papel importantíssimo. Quer enquanto veículo de integração social, quer como expressão de identidade cultural.

Lamentavelmente, a cidade da Amadora, onde a realidade dos novos luso-africanos está muito presente, não tem considerado esta vocação da BD.

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