André Diniz: “Não me preocupo em ensinar nada”

André Diniz é argumentista e ilustrador. Nasceu no Rio de Janeiro em 1975, mas adoptou São Paulo como residência. Actualmente um dos autores de maior prestígio no Brasil, vencedor de diversos prémios, incluindo o HQMIX e Ângelo Agostini.
Este ano a Polvo editou em Portugal o seu álbum “Morro da Favela” que está nomeado para o Prémio Nacional de melhor álbum. “Duas Luas”, ilustrado por Pablo Mayer é o seu mais recente trabalho, realizado em exclusivo para a Polvo. André Diniz é um dos autores incluídos na exposição colectiva “Seis Esquinas de Inquietação” que está patente no Amadora BD, onde vai estar este fim de semana para apresentar os seu álbuns e para sessões de autógrafos.

Estes são motivos mais do que suficientes para justificar uma entrevista com um autor com que o público português pode não estar muito familiarizado.

Chaka Sidyn: Apesar de seres um autor com um obra vasta e galardoado com vários prémios, eu lembro-me sempre primeiro do André Diniz editor da NonaArte.com.br. Por isso se não te importavas, vamos começar por aí. Como surgiu o projecto da NonaArte enquanto editora?

André Diniz: Naquele momento, ano 2000, a única forma que havia de se publicar BDs autorais no Brasil era pela autopublicação.

Não havia qualquer faísca desse mercado de BDs brasileiras que veio a renascer das cinzas, embora bem mais modestamente, uns quatro ou cinco anos depois. Daí, o único caminho que encontrei foi o de fazer a mnha própria editora. Mas, na prática, ela resumia-se a eu e meu computador… As dificuldades, porém, eram muito maiores que as de hoje. As livrarias (distribuição) e as mídias (divulgação) encerravam qualquer conversa quando a palavra “quadrinhos” era mencionada. “Nós não trabalhamos com quadradinhos”, era sempre a resposta. Daí, a atuação dela foi bem limitada nas edições impressas. O site Nona Arte acabou suprindo isso. Passei a colocar Bds para download em PDF lá, chegou a ter 450 edições! Mas isso foi muito antes da era dos tablets, daí sua leitura era mais complicada. Quando as editoras passaram a publicar BDs brasileiras, para mim tornou-se muito mais interessante oferecer meus trabalhos diretamente a elas.

E porque é que não deixaste aquele arquivo online?

Ele tomava boa parte do meu tempo e nunca fôra o meu objetivo principal. Foi uma decisão difícil, mas chegou uma hora em que tive que virar essa página e focar meu tempo exclusivo na criação.

Hoje em dia já existe um cultura de compra de BD online e surgem plataformas que permitem a venda do trabalho online, não pensaste em explorar essa oportunidades?

Tudo o que eu posso dizer agora é que, sim, tenho pensado muito, muito, no assunto!

Existem obras tuas que se foram inseridas nos programas escolares do Brasil, que obras foram essas? Como é que isso sucedeu?

O PNBE, programa que compra anualmente títulos para as bibliotecas das escolas públicas brasileiras, passou a incluir BDs entre os títulos selecionados há talvez seis ou sete anos. Isso impulsionou muito o nosso mercado, pois pela primeira vez, álbuns de BDs nacionais passaram a dar dinheiro. Cada título selecionado tem vendas que variam entre 15 a 30 mil, ou até mais. Para mim, esse novo cenário foi especialmente rico, pois o tipo de BD que eu sempre gostei de fazer encaixa-se muito bem no que o governo quer comprar: HQs com temas históricos ou sociais, que acima de tudo valham pelo prazer da leitura, e não pelo didatismo em si. Dessa forma, tive já dois títulos selecionados até agora: “Quilombo Orum Aiê” e “O Negrinho do Pastoreio”.

Quando abordas temas históricos quais são as tuas principais preocupações? O rigor histórico? Ser um obra didáctica ou a criação de uma obra ficcional envolvente?

O tema histórico para mim nada mais é que um caminho para se escrever uma BD gostosa de ler. Considero o tema interessante se ele vai atiçar a minha imaginação. Por isso, sigo o caminho de criar personagens fictícios em cenários e momentos históricos. Posso criar à vontade e tomar emprestado ao mesmo tempo aquela riqueza que só a vida real pode criar. Não me preocupo em ensinar nada, até porque não sou professor. Mas tenho certeza de que o leitor assimila uma grande quantidade de conhecimentos como consequência de uma leitura prazeirosa. Aí, paradoxalmente, o aprendizado acaba sendo até maior do que se fosse uma obra de BD intencionalmente didática.

De onde advém o teu interesse pela cultura africana, que se reflecte em várias das tuas obras?

Começou pela arte africana, que simplesmente me fascina. E é impossível falar de história do Brasil ou identidade brasileira sem falar de África. Infelizmente, o brasileiro ainda tem o preconceito de varrer essa herança cultural para debaixo do tapete, embora isso tenha melhorado aos poucos. Quando comecei a pesquisar sobre a vinda dos africanos ao Brasil e sua saga nos séculos seguintes, não só fiquei fascinado com a riqueza do tema como indignado: como esse nosso lado é tão pouco explorado nas BDs?

Aí, comecei a pesquisar para uma BD, e a pesquisa dessa deu-me ideias para outras duas, cujas pesquisas deram-me ideias para outras…

Como é que surgiu a influência da xilogravura na tua arte?
Até 2008, a minha criação em BDs era muito mais focada nos roteiros. Havia já feito algumas estripulias como desenhista, mas era com os roteiros que eu tinha algo a contar, com os desenhos ainda não. Nesse ano, após escrever o roteiro de “Quilombo Orum Aiê”, decidi-me encarar de vez os desenhos também, e isso significava encontrar o meu estilo pessoal. Quando mais garoto, tentei por muito tempo desenvolver um estilo mais próximo ao franco-belga, mas esbarrei-me num obstáculo intransponível: minha mão é muito pesada. Quando risco, risco forte. Se uso lápis, logo a ponta quebra. Se tento usar pincel, é um desastre. Outra questão é que meu olhar não tem sutilezas: ou eu vejo redondo ou eu vejo quadrado, eu não capto nuances muito sutis. Ao buscar o meu estilo, centrei-me em duas formas de arte que mais fascinam aos meus olhos: a arte africana e a xilogravura. As formas gráficas, o aspecto rústico, o exagero e os traços grosseiros me encantam, e o meu momento de luz foi quando percebi que essa beleza era justamente o que minhas mãos e meu olhar poderiam oferecer. Aí, encontrei-me nos desenhos.

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