O Regresso de Luís Louro: 1994 A 2007

Descolando da colaboração com Tozé Simões, Luís Louro inicia um novo período (mais intimista) do seu percurso como autor de banda desenhada, com os álbuns “O Corvo”, “Alice” e “Coração de Papel”.

O facto de se apresentar também como argumentista levou Luís Louro a modificar o seu estilo de desenho. A arte aparece mais estilizada, com um traço mais solto e caricatural, apesar de manter todo o seu rigor e limpeza. Personagens e cenários apresentam-se vistos de pontos menos comuns (algo que Louro explora também enquanto fotógrafo). A cor começa também a afirmar-se como um elemento importante na narrativa, e esta não esconde o situar-se num terrível dilema entre a insegurança de quem só agora se aventura como o seu próprio argumentista, e a segurança de quem define com rigor o caminho que pretende seguir.

Tematicamente, este período começa também a afirmar a paixão de Louro por Lisboa. A capital divide o protagonismo com as personagens, servindo de contraponto à divisão entre a realidade e o sonho.

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“O Corvo” é uma paródia ao tema e convenções dos super-heróis, em que um aspirante a super-herói mostra que a realidade lisboeta não se presta muito à existência de um vigilante mascarado. Em “Alice”, está em causa o contraponto entre o drama do dia-a-dia de uma prostituta e a sua fuga para um mundo de sonho numa Lisboa debaixo de água. Em “Coração de Papel”, o próprio título evidencia uma situação de conflito, sublinhada por uma opção de utilização de tons outonais na história, justificada por uma necessidade de contraponto aos tons frios de “Alice” (e, de certa forma, de “O Corvo”), de forma a melhor traduzir o tom melancólico da história.

Estes três álbuns mantêm o enorme sucesso do autor junto do público. “O Corvo” e “Alice” recebem os mais importantes prémios nacionais. “Alice”, sobretudo, é uma revolução na banda desenhada portuguesa, demonstrando que a aplicação conjunta de editores (Asa), autores (Louro) e promotores (o AmadoraBD de 1995), pode ser uma fórmula de sucesso. O álbum vendeu centenas de exemplares só no festival da Amadora, e a sessão de autógrafos do autor Luís Louro acabou por ser mais concorrida do que as de autores mais consagrados , como Manara.

“Alice” é um álbum visualmente extraordinário, destacando-se naturalmente as cenas que se desenvolvem debaixo de água. Como afirma Luís Louro, na entrevista reproduzida no texto do catálogo da exposição que esteve patente no CNBDI em 2001, “foi uma loucura e um grande desafio pintar aqueles cenários debaixo de água com vários tipos de azul”. Louro consegue levar a melhor numa altura em que as cidades inundadas eram moda na ficção portuguesa em banda desenhada, e a cor das pranchas originais é magnífica.

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Depois de “Coração de Papel”, Luís Louro regressou ao trabalho em colaboração. Agora que o seu estilo gráfico e narrativo estava encontrado, a colaboração ganhou um novo sentido.

“Cogito Ego Sum” é um conjunto de histórias curtas em que o erótico e o humor se encontram. Publicado em álbum pela Meribérica, marca o regresso da dupla Louro & Simões, embora Louro seja o argumentista da maior parte das histórias. “O Halo Casto”, publicado em 2000 pelas edições Asa, é uma fantasia em colaboração com Rui Zink, centrada no divertimento de uns anjos com os destinos e fatalidades humanas.

Em 2001, ano da exposição individual “Contrastes” no CNBDI, Louro publica o segundo volume de Cogito Ego Sum, inaugurando a colecção de BD da editora Booktree.

Em 2002, com João Miguel Lameiras e João Ramalho Santos, Louro dá forma de BD ao universo (que povoava algumas ilustrações soltas) de uma África fantástica onde pedaços de rocha flutuam no espaço e o animal e o mecânico se fundem, dando origem a versões cyberpunk das espécies tradicionais. É Éden 2.0 (Booktree).

Em 2003, surpreende com “O Regresso do Corvo” (Asa).

Em 2004, começa a afastar-se da BD, com o projeto Fadas Láureas (PrimeBooks). Tal como em Éden 2.0, o livro parte de algumas ilustrações soltas de um mundo imaginário de fantasia. Desta vez, é um mundo povoado de fadas, gnomos e cogumelos, carregado de erotismo, como também é habitual no trabalho de Luís Louro. Mais uma vez, à fantasia alia-se a intemporalidade e a pureza das personagens. As fadas de Louro são absolutamente alheias às intenções dos gnomos (e às do próprio Luís Louro, que se assume como gnomo num impressionante registo fotográfico). Mas, ao invés de um álbum de BD, Louro dá a este universo a forma de livro ilustrado, assinando colaborações (que partiram da ilustração para o texto) com Tozé Simões, Baptista-Bastos, Bruno Nogueira, David Soares, Hugo Gonçalves, Hugo Jesus, Ilpo Koskela, João Aguiar, João Baião, João Céu e Silva, João Miguel Lameiras, João Ramalho Santos, José Carlos Fernandes, José de Matos Cruz, Luís Graça, Luís Represas, Margarida Pinto Correia, Margarida Rebelo Pinto, Maria Teresa Horta, Maria Vieira / Fernando Rocha, Nuno Artur Silva, Nuno Markl, Osvaldo de Sousa, Pedro Ribeiro, Rosa Lobato Faria, Rui Unas, Rui Veloso e Rui Zink.

Em 2007, o terceiro título de “O Corvo”, numa bem conseguida colaboração com Nuno Markl é a excepção que confirma a regra: Luís Louro afasta-se da BD… até 2015.

A personagem do Corvo merece um maior destaque nesta análise (até porque permite um olhar mais atento sobre aquilo que distingue o trabalho de Luís Louro na BD). Como tal, será o assunto da próxima crónica.

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5 Comments

  1. says: Luis Louro

    Queria apenas fazer uma correção… Uma das principais razões para o sucesso do Alice no amadora BD, foi o trabalho de promoção feito não pela editora ou pelo festival, mas sim pela Luisa Louro, que em parte foi responsável pelo surpreendente sucesso que esse álbum teve.

    1. says: Bruno Campos

      Os primeiros comentários de todas as pessoas no aCalopsia são moderados, para evitar entradas a “pés juntos”. Como tive umas coisas para fazer ainda não tinham sido aprovados.

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