Descobrir autores… como Gustavo Duarte

Uma crítica recorrente que se faz à organização do AmadoraBD é a seguinte: todos os anos, aparecem na Amadora autores de banda desenhada com pouca ou nenhuma obra publicada por editoras portuguesas.

Pergunta-se qual a razão deste mistério. Pessoalmente, não consigo explicar com que critério foi convidado, por exemplo, Gustavo Duarte, um dos autores brasileiros que esteve na Amadora em 2013.

Não tinha especial ligação ao tema dos cenários na BD, não tem um livro publicado por uma editora portuguesa, não tinha um trabalho em exposição no festival.

A minha conclusão é… ainda bem que houve oportunidade de trazer Gustavo Duarte à Amadora!

Especializado na banda desenhada muda, e com uma larga e relevante experiência nos domínios do cartoon e da caricatura, Gustavo Duarte está entre os mais importantes autores de BD da actualidade. Gustavo é daqueles autores cujas histórias parecem existir num canto da nossa imaginação de leitor, esperando apenas por ser reveladas. É certamente um dos autores que vou continuar a seguir, e que pode fazer avançar a BD.

Muito premiado no Brasil, foi um dos autores escolhidos pelo criterioso Sidney Gusman para levar novos públicos ao universo de Maurício de Sousa através da extraordinária linha de “graphic novels”, ficando responsável pela personagem de Chico Bento. O primeiro livro, Pavor Espaciar, já foi publicado no Brasil.

Confesso que Gustavo Duarte não foi dos autores que mais me impressionou na leitura do coletivo MSP 50. Mas em 2013, com a visita à Amadora, fiquei fã. Mérito sobretudo do livro Monstros!, que é uma obra-prima da BD, evidenciando o impressionante conhecimento que o autor tem da linguagem da banda desenhada. Em Monstros! como em Pavor Espaciar, Gustavo Duarte utiliza recursos de extraordinária dificuldade como se fossem a coisa mais simples do mundo (é um verdadeiro Seu Pinô, enquanto autor). Em Pavor Espaciar, por exemplo, tem uma sequência em que as personagens são apresentadas na ordem inversa daquela em que falam, de modo a que o leitor começa por ver uma das personagens antes de ser confrontada pela fala da outra, e de responder na mesma vinheta.

A minha teoria é que Gustavo Duarte usa poucas palavras nas suas bandas desenhadas porque olha para o que faz! Eu também fico com poucas palavras.

O trabalho de Gustavo Duarte merece várias releituras. A primeira leitura pode ser menos demorada do que o esperado por causa da falta de texto, mas esse tempo que se “poupa” acaba por ser reutilizado em releitura.

Sem surpresas, a carreira internacional do autor está a arrancar, e Monstros! já teve edição norte-americana, pela Dark Horse. A entrada no mercado franco-belga é, julgo eu., mera questão de tempo.

Permitir a descoberta de autores pelos leitores portugueses tem sido uma preocupação da Amadora bem cumprida, apesar das tais críticas. Como leitor de BD, não partilho da crítica. Importante é assegurar que a divulgação e informação sobre a presença do autor chega ao público potencialmente interessado.

Uma nota final para referir que, no caso de Gustavo Duarte, a dimensão humana também é uma mais-valia. Gustavo é uma excelente pessoa, de uma enorme simpatia e disponibilidade. Sem surpresa, chegou à Amadora já na condição de amigo de autores portugueses que conhece de outros festivais. E também nessa medida, ressalvando o respeito pela singularidade do talento de cada um, é importante o seu testemunho e a sua opinião sobre as possibilidades de internacionalização da BD portuguesa ou da abordagem que os autores nacionais fazem (ou devem fazer) de um festival no estrangeiro. Como tal, é importante a sua passagem por Portugal. E será importante que regresse no futuro. Se entretanto estiver publicado por uma editora nacional, tanto melhor.

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