Balancete 2014: O mercado de BD que temos em Portugal

2014 foi um ano um pouco caótico no aCalopsia que passou por meia dúzia de permutações na procura de um modelo funcional e eficaz. Este ano deverá estabilizar um pouco. Existe algo que é provável que não mude: a falta de tempo, algo que deverá até agravar-se derivado à existência de outras prioridades, o que irá originar que o tempo para ser blogger, divulgador (ou o que lhe queiram chamar) vá ser mais parco.

Como já tinha mencionado, estão abertas vagas para colaboradores, até porque existe material a ser publicado em Portugal que justifica um ritmo de actualizações regulares.

O mercado da BD em Portugal é pequeno, existe situações em que é quase um não mercado, contudo, contrariamente ao que alguns acreditam, ele existe!

Em 2014 não foi possível programar uma avaliação detalhada do ano, pelo que este artigo é curto. Com um pouco de sorte e de disponibilidade dos colaboradores, o balanço de 2015 será mais detalhado.

Autores

2014 foi o ano de Paulo Monteiro. Apesar de “O Amor Infinito Que Te Tenho e Outras Histórias” já ter sido editado anteriormente, foi no ano passado que a obra alcançou projecção internacional, através de edições em outros países que foram coroadas com prémios em França e Espanha.

Um facto digno de registo, em particular por premiar o trabalho que a Polvo vem desenvolvendo, há anos, publicando autores nacionais em português para o mercado nacional, mas tendo conseguido publicar alguns trabalhos no exterior. Veremos no futuro que portas o sucesso de “O Amor Infinito” irá abrir.

Enquanto por Portugal ser autor de BD paga pouco ou nada, alguns autores vão conseguindo fazer carreira em mercados que permitem a remuneração e subsistência dos autores. Jorge Coelho, André Lima Araújo e Filipe Andrade são alguns dos autores que continuam a fazer carreira nos EUA. Esta já não é uma edição ou trabalho esporádicos, mas em 2014 continuaram a trabalhar a um ritmo regular no seguimento dos trabalhos que já tinham realizado em anos anteriores.
Ricardo Tércio e Eliseu Gouveia, que já tinham alguns trabalhos publicados no mercado norte-americano, foram, em 2014, aventurar-se no mercado francófono, onde anteriormente Rui Lacas foi bem sucedido com “Obrigado Patrão”, obra realizada para a Paquet e, posteriormente, editada em Portugal pela Asa.

A internacionalização dos autores portugueses – que em tempos parecia ser uma quimera inalcançável – é hoje uma realidade a vários níveis, sendo que estes autores mencionados foram só alguns dos que foram editados no estrangeiro com obras inéditas ou traduzidas, em editoras dos mais diversos tamanhos e poderios financeiros.

Edição

[the_ad id=”20372″] 2014 marcou o renascimento da El Pep: a decana editora no ano transacto deve ter editado mais obras do que em toda a década anterior. Este renascimento e dinamismo da El Pep coincide com o surgimento da loja e galeria da editora no Centro Comercial Imaviz, o que veio criar mais um espaço de exposição e comercialização de banda desenhada, em particular a de autores portugueses.

Passamos a ter três editoras vocacionas para a edição de autores nacionais: El Pep, Kingpin Books e Polvo. O facto de mencionar três, e não quatro é porque, tecnicamente, a Chili Com Carne não é uma editora mas sim uma associação, o que faz com opere segundo regras diferentes e tenha benefícios que uma editora convencional não têm, como a capitalização através da quotização dos sócios e acesso a subsídios estatais; estes dois factores fazem com que a sua actividade editorial esteja menos dependente das vendas. A continuidade da actividade editorial de uma editora privada está dependente do sucesso comercial das apostas realizadas, a menos que o editor seja um milionário que se possa dar ao luxo de editar obras perdendo dinheiro.

A Mmmnnnrrrg (editora do presidente da Chili Com Carne) editou quase tantos autores estrangeiros como nacionais, se não mais, em edições patrocinadas indirectamente pelo IPDJ através da Chili Com Carne.

A Asa, Arcádia, Âncora e Porto Editora foram outras editoras a publicarem obras de autores nacionais, para além das diversas edições de autor que existiram, seja em formatos e tiragens mais “profissionais” ou “amadores”.

O grande fracasso editorial de 2014 foi a edição de material da Marvel pela Panini (Espanha) em Portugal. Apesar disso, continua a existir BD nas bancas nacionais com regularidade. A Goody continua a editar Disney a ritmo bastante regular e a viabilidade dessas edições parece já não estarem posta em causa. A editora já está há dois anos a editar o material no mercado nacional, pelo que parece existir um público real para este género de BD. Em 2014 a editora teve ainda sucesso com o lançamento de Simpsons Comics, mas a aposta em Real Life falhou. É algo normal, nem todas as apostas de uma editora são bem sucedidas e algum dia teria de existir uma edição de BD da Goody a não conseguir encontrar o seu público.

Para além das edições regulares da Goody, nas bancas continuaram a surgir novas colecções de BD pela Levoir e Asa. É outro formato de publicação de BD que parece ter encontrado um público, permitindo a publicação de um número elevado de obras num curto espaço de tempo, algo que tem servido para a Asa ir publicado uma dezena de álbuns de uma assentada de séries como Michel Vaillant ou XIII, a última quais era um desejo antigo dos leitores que já pensavam nunca irem ver em português a publicação na íntegra da obra de Van Hamme e Vance.

A Devir parece finalmente ter encontrado um equilíbrio e continuou a publicar séries como The Walking Dead, Death Note e Naruto a um ritmo regular, para além de outras edições esporádicas como Habibi. Com séries que já vão no décimo volume, já deve ser possível o público perder um pouco o receio de a editora não concluir séries, derivado a erros feitos em outras épocas.

O ressurgimento da G. Floy veio trazer três novas séries norte-americanas bem recebidas pelo público e crítica, noutros países. Veremos este ano como se esta aposta vai ser bem sucedida ou não.

O Grupo Babel (através da Verbo e Arcádia) foi lançando algumas obras em 2014, e parece que a aposta é para continuar. Para já está anunciado Blacksad para este ano, e é provável que existam outras obras a surgir. Algo que parece vir dar razão a quem acreditava que Maria José Pereira (ex-editora da Meribérica e Asa, actualmente na Verbo) iria estar pouco tempo afastada da edição de BD.

Eventos

Realizou-se em 2014 a 1ª Mostra do Clube Tex Portugal; sendo um evento direccionado para um género específico: o Western, em particular o protagonizado por Tex Willer, é um evento digno de registo. Esta mostra é o primeiro evento oficial do clube, fundado em 2013, mas os seus responsáveis já em outros anos tinham organizado eventos similares. Se em 2014 o evento contou com a presença de Pasquale Del Vecchio, anteriormente tinham estado em Portugal outros autores de relevo da editora italiana Bonelli. Existem editoras que têm menos dinamismo e capacidade de trazer a Portugal autores estrangeiros que editam. Apesar desta ter sido a primeira edição da Mostra do Clube Tex, é muito provável que não seja a última, porque surge na sequência de eventos semelhantes destinados a celebrar esta personagem.

2014 foi um ano de números redondos: Cinco anos de AniComics, dez anos de IberAnime, dez anos de Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja e 25 anos de AmadoraBD. Existem eventos com longevidade assinalável para o mercado nacional, em particular alguns que são iniciativa privada e não estatal.

Apesar do Anicomics e do IberAnime não serem eventos exclusivamente de BD, esta marca lá presença de modos distintos, sendo mais um ponto de comercialização para os editores e autores que lá estão presentes. Neste formato de eventos ainda existiram outros como o Anifest ou Manga & Comics Event, que estão em início de vida.

Apesar dos aniversários, os eventos foram aquilo que se poderia esperar, sendo que o facto mais relevante terá sido Beja ter acolhido um evento mais “comercial” e em sintonia com o mercado, quer a nível de editoras presentes, quer a nível de autores. Foi no Alentejo que estiveram simultaneamente autores da Chili/Mmmnnnrrrg e da Disney, o que poderá parecer uma heresia para alguns, mas que demonstra até que ponto a cidade alentejana se tornou na sede de um festival eclético.

O AmadoraBD foi mais do mesmo: muitos autores sem obra publicada em Portugal e os 30 mil visitantes usuais. Bater no AmadoraBD é fácil: existem falhas que parecerem ser injustificadamente crónicas. Apesar de todas as lacunas, o festival da Amadora continua a ser um evento incontornável e a ter uma projecção que poucos conseguem. Contudo esse lugar de destaque veio a ser eclipsado pela Comic Con Portugal.

Realizado em moldes diferentes, começando por não ser um evento exclusivamente de BD, a Comic Con Portugal conseguiu na sua primeira edição alcançar os 30 mil visitantes do AmadoraBD, com uma pequena diferença: em Matosinhos o número de potenciais clientes é superior. A nível contabilístico é pouco relevante quantos milhares dos visitantes do AmadoraBD são derivados às visitas de estudo das escolas, mas para os vendedores (editoras/autores) esse facto é bastante relevante. As visitas das escolas não se traduz em vendas para expositores do AmadoraBD. Este é um facto que poderá levar a que este ano a maioria dos editores de BD tenha uma postura diferente relativamente aos dois eventos, ou talvez não.

A Comic Con Portugal apresentou um número bem composto de autores estrangeiros com obra editada em Portugal, superior ao AmadoraBD, mas esse é um mérito da organização a que são alheios os editores, a maioria dos quais ignorou a primeira edição do evento de Matosinhos. Resta saber se este ano a aposta dos editores nos eventos irá continuar a ser idêntica à parca aposta realizada no ano transacto.

[the_ad id=”20372″] Quando questionado sobre a falta de investimento das editoras no AmadoraBD, Nelson Dona, director do festival, indicou em entrevista ao aCalopsia que mas essa era uma questão só mesmo os editores poderiam responder, apontando a dimensão das editoras nacionais e o facto de talvez os convidados da Câmara Municipal Da Amadora serem suficientes. Contudo, têm sido pequenas editoras como a Kingpin Books quem mais tem investido nos últimos anos no AmadoraBD. A editora de Mário Freitas é das poucas que tem presença regular em todos os eventos, sejam eles exclusivos de BD ou não, e teve presentes Tony Sandoval em Beja e JM Ken Niimura na Amadora. Apesar do facto de ser uma loja/editora tornar a presença da Kingpin mais rentável em eventos como IberAnime ou AniFest, não deixa de ser um pouco estranho ser das que mais investe no AmadoraBD.

Este ano veremos como vai ser o investimento das editoras a nível da presença nos eventos, seja através de bancas ou da presença de autores. Esta presença é essencial para o crescimento dos próprios eventos, assim como deveria ser uma oportunidade para as editoras – e os autores – aumentarem as suas vendas, o que deveria ser fundamental num mercado pequeno com tiragens diminutas.

E não faltam eventos em Portugal: Para além dos que já foram mencionados ainda existem feiras como a Morta e Jeco, entre outras, para além de várias exposições que vão decorrendo durante o ano.

O aCalopsia teve uma secção denominada Agenda, mas entretanto como a aplicação estava a consumir demasiados recursos do servidor foi removida. Quando se mudar para um servidor mais fiável – o que implica um aumento de custos – essa secção deverá regressar. Porém, de momento não é mesmo algo prioritário, não por não existirem eventos que justifiquem a sua existência, mas porque a maioria dos organizadores de eventos não se digna a enviar informação sobre os mesmos. A maioria parece considerar que a promoção que realizam dos eventos no Facebook é suficiente para alcançarem o público que pretendem. Eu tenho uma opinião distinta, existe um quantidade razoável de eventos em Portugal, mas o que seria bom questionar é se estão a chegar a tanto público quanto seria possível. Do mesmo modo seria interessante alguns intervenientes avaliarem se a postura de só estarem presentes em alguns eventos com os quais se identificam é a melhor solução a curto, médio e longo prazo.

Até lhe podemos de chamar de não-mercado, mas na realidade existe um mercado (embora débil) com alguns alicerces muito frágeis. Ainda está longe de ser um mercado dinâmico e muito menos com capacidade de remunerar os autores nacionais, mas este mercado só aparenta ser menor do que é na realidade, porque a maioria dos intervenientes ignora tudo aquilo que sai fora da sua esfera de interesse pessoal.

Veremos o que nos reserva este ano, o mais tardar em Janeiro de 2016 estaremos por cá para novo balanço.

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6 Comments

  1. says: João Figueiredo

    Bruno, gostei bastante de ler este Balancete. Sintetiza bem o Ano 2014 na nossa área. A ver se nos apresentamos devidamente um ao outro da próxima vez que nos cruzarmos nos eventos. Abraços
    João Figueiredo

    1. says: Bruno Campos

      Eu sou um bocado para o anti-social e não tenho muito jeito para conversa de circunstância, mas quando vêm falar comigo não tenho problemas em falar com as pessoas.

  2. says: optimus primal

    Até ver a panini é o fiasco.a nova g floy uma incognita tal como a verbo.A asa reduziu o catalogo.a nova devir anda não completou nenhuma nova serie iniciada por ela,e algumas tipo naruto ou walking dead não tem fim vista.Colecoes com jornais é a forma mais certeira para leitores e editoras

    1. says: Bruno Campos

      Existe um ditado qualquer que diz que é mais fácil criar uma má impressão do que uma boa impressão, o grande problema da Devir é esse: a gerência é diferente, a política editorial é diferente, mas as pessoas continuam a agir como se a editora fosse a mesma do início do século.

      Existirem séries com sem fim à vista não é culpa da editora, é reflexo do sucesso que as séries tem no exterior. Os 10 álbuns The Walking Dead, equivalem sensivelmente a 60 números do comic book. Actualmente nos EUA existem poucas séries que cheguem ao número 60.

      Este ano a editora deve terminar a publicação de Death Note, são 12 volumes, concluir a edição de 12 volumes de uma série no mercado livreiro em Portugal é digno de nota. A Devir actual e a do início do século só tem em comum o nome. Por vezes até basta uma editora mudar de editor para as coisas serem diferentes.

      A G. Floy é a grande incógnita, em particular porque das 3 séries pelo menos 2 tem potencial para serem êxitos moderados em Portugal, veremos se têm capacidade para as vender.

      O Grupo Babel, deverá ser a segunda editora de BD franco-belga. Tenho a convicção de que existem séries que são lucrativas mas não são apelativas para a Asa, porque tem um retorno financeiro mínimo e a Asa tem todas as séries de alta rotação no seu catálogo. Contudo são séries que podem ser lucrativas e interessar a outras editoras. Ninguém como a Maria José Pereira sabe quais são as séries da Asa que estão incompletas que podem ser lucrativas, apesar de não ter um retorno financeiro elevado. É natural que a Babel vá pegar em algumas séries da Asa, e aposte em algumas séries novas, mas será uma aposta mais criteriosa do que a MJP realizou na Meribérica ou Asa.

      Existem colecções que são vendidas com os jornais que não são colecções “completas”, os Guardiões da Galáxia de DnA, por exemplo, só tiveram editado o primeiro volume.

      1. says: Optimus Primal

        Mas essas coleçoes já fazem parte do pack,não é como se te enganasem quando sai a lista já sabes que vai sair x volumes de cada titulo,Podes é criticar a aposta em materiais duvidosos.Walking Dead e Naruto é um erro de escolha do editor porque não tem fim a vista e Walking Dead editaram 60 o problema é que nos Usa já sairam outros tantos.Mesmo em Manga a Devir já editou mais que o seu anterior record.
        Quamto a Fb a muita editora mas é quase sempre mais do mesmo,Até a que editava fb linha clara que não me lembro o nome desapareceu tipo Vitaminaas,Booktrees etc.

        1. says: Bruno Campos

          Eu estava a criticar o facto de as colecções não o serem na realidade e de no final só apresentarem pedaços de “colecções” maiores. Guardiões da Galáxia de DnA é um exemplo de um “história maior” que cuja conclusão poderá nunca ser terminada. No fim do dia é mais uma história de que só é publicado o primeiro volume.

          Ainda gostava de perceber porque é que é um erro apostar em séries sem fim à vista… é que a maioria das séries de BD não têm fim à vista. Por exemplo os Guardiões da Galáxia… Para além disso as séries longas permitem às editoras ter uma fonte de rendimento regular em torno da qual podem construir uma linha de edição de BD.

          Nos últimos anos a única editora de BD a publicar BD franco-belga de modo consistente têm sido a Asa.

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