Uma Leitura Para Férias: Eternus 9

Parece impossível mas ainda há leitores de banda desenhada portugueses que não conhecem a saga de Eternus 9, de Victor Mesquita, título fundamental da moderna banda desenhada nacional, cujos dois primeiros volumes foram publicados pela Gradiva.

Fazendo o convite aos leitores para que incluam estes títulos na lista de leituras para férias, aqui recupero algumas das ideias do autor, avançadas no âmbito de uma entrevista publicada no catálogo de 2012 do AmadoraBD.

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Sobre a criação de Eternus 9:

Onde na altura eu mergulhei inteiramente, isso eu sei e relembro que o fiz com profunda convicção, foi na absoluta consciência da necessidade de criar um super herói que concorresse com os superes americanos, tão excessivos e infantis e gratuitos, um super herói que fosse mais humano, humano na sua totalidade, um ser holístico por excelência, que é a visão que eu tenho do homem futuro. Um herói que represente o Homem Novo Europeu.

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Sobre o método de trabalho:

Eu quase diria que não o trabalho, mas antes que é a matéria do álbum, o campus do álbum em projecção que me trabalha, que me conduz pela mão ao lugar da essência, do núcleo significante. Numa abordagem menos linguística, na prática, uma prática visível, exterior é assim: deixo-me ir á deriva em pequenos afluentes, sejam esboços de personagens, objectos que encontro na rua, me chamam a atenção e convocam despertando determinadas emoções, através de imagens que sem saber porquê me tocam e registo mentalmente ou tomo nota. Peças que executo em barro, como fiz com o Eternus no primeiro álbum e com TAMAT. Sem saber como, mas sabendo sempre que fazem todo o sentido registar. Guardo-as quase todas, tudo serve. Um dia, elas emergem quando menos se espera do nada e alistam-se à minha frente. Faço o recenseamento do pequeno exército de muitos pequeninos corpos de voluntariado e começo a deixar que me digam o que devo fazer. Então ponho-me em sentido e vou negociando estratégias. Começo com esboços toscos, muito rápidos. Onde é que vã encaixar ? Logo me dizem.

O tempo, a gestão de tempos de ausência durante o trabalho é um factor importantíssimo na análise do processo criativo. Ausentar-me para obter uma distanciação analítica é um bom método de trabalho, eficaz e que dá segurança, estimula a ir em frente. Abandonar no espaço e no tempo o trabalho de criação, permite-me vestir parcialmente a pele do leitor, um leitor quase desprevenido, digamos, que entra como quem não quer a coisa e olha. É um choque. O choque apologético em estado de espanto: Fui eu que fiz aquilo ?! Outro choque, o redutor, menos agradável mas eficaz: Raios! Como é que eu fiz aquele disparate?!

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Sobre a utilização do computador e as novas possibilidades da BD:

O computador assume várias representações.  Primeiro, representa o salto tecnológico que dista do tempo do primeiro Eternus para o do segundo, 40 anos em Tempo Terra. Depois. No segundo álbum é que se conclui que Eternus 9 é e não é criação de Victor Mesquita, aliás Vick Meskal. “Estamos na cabeça de Victor Mesquita.” E na cabeça dele encontra-se um conceito importantíssimo que não foi referido nas perguntas: O conceito EmoVision BD, para o qual a neurocomputaização é indispensável. Tecnologia de ponta ao serviço da neurologia. Que fazem os óculos EmoVision BD? Como funcionam eles?  Está explicado no álbum. O João Ramalho Santos não compreendeu o alcance dos óculos. Os EmoVisionBD são os olhos messiânicos de um novo paradigma para a banda desenhada mundial, se me é permitida a pretensão. O que a pode erguer do papel fragilizado em que os Anime e Manga a têm deixado. É claro que não é só por isso, mas sobretudo por não ter sido formulada ainda uma nova filosofia da comunicação para a BD. Esta precisa de ser acrescentada de uma dimensão semiótica, a  suficiente para a tornar de novo fascinante, como ela foi no pós guerra, com a sua expressiva inocência, mas agora transposta para outra dimensão gráfica e estética.”

 

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