Os Cenários do AmadoraBD 2013

O tema do Amadora BD 2013 (ABD13) são os cenários e o que não falta é cenários de um festival inconsequente para se ver.  O balanço geral de uma visita ao ABD13 é que sabe a pouco. Parece muito pouco. Não estou sequer a fazer uma comparação com outras edições do festival ou com outros festivais que existam.

Naquilo que suponho ser fruto de limitações orçamentais, o ABD13 tem muito espaço livre. Não existe a claustrofobia de outras edições, onde mal havia espaço para uma pessoa se mexer. Existe muito espaço livre para ver os cenários de pladur que criam a impressão de que o festival ainda está a ser montado e que chegámos antes de tempo.

Existem opções estéticas que são questionáveis e outras, de ordem prática, que fazem pouco sentido. O Festival está todo partido, dividido por diversos núcleos, incluindo no próprio núcleo central no Forum Luís de Camões, dividido em dois pisos sem ligação interior e que obrigam o visitante a sair de um “núcleo” e procurar o caminho não assinalado para o outro.  E convém guardar o bilhete, já que sem o terem não podem entrar no outro piso. Uma opção que não faz muito sentido até em termos de mobilidade dos visitantes: mais valia terem optado pelo regime de pulseiras dos festivais de música que permite entrar e sair de um recinto sem nos termos de preocupar com o papelinho do bilhete.

Mas vamos então visitar o festival, começando pelo piso 0 onde temos Ricardo Cabral a triplicar. É que existe não uma exposição, mas três dedicadas a Ricardo Cabral, o que faz com que seja mesmo o autor em destaque do festival. Existe assim uma retrospectiva que nos permite ver os seus primeiros trabalhos e acompanhar a sua evolução enquanto artista, particularmente interessante por se poder ver os primeiros trabalho influenciados por Katsuhiro Otomo e como se procedeu a caminhada até um traço que hoje é inconfundível. A segunda é a colectiva “Comic-Transfer”, em que partilha o espaço com Marco Mendes, Till Laßmann e Bo Soremsky, um intercâmbio luso-germânico (patrocinado pelo Goethe Institut) que é aqui apresentado num pequeno resumo final.

O terceiro núcleo dedicado a Ricardo Cabral é sobre a polémica imagem gráfica do ABD13, aqui explicada em detalhe e com a arte original e preliminar do cartaz. Pedaços de arte que fazem valer a pena a viagem até à Amadora e lançam questões sobre qual o futuro que Ricardo Cabral irá trilhar enquanto autor: o Ricardo Cabral dos sketchbooks é bom, mas o artista do cartaz é soberbo e aquele imaginário transportado para a BD seria algo digno de se apreciar.

Depois de Ricardo Cabral podemos ir apreciando o cenário do ABD13 até se chegar á exposição que se segue; pelo caminho existem uma plantas giras.

Yoshiyasu Tamura foi enfiado num cubículo com algumas amostras do seu trabalho de mangá que, não sendo más, não são nada de inspiradas, porém servem para se ver originais do autor japonês no ABD.

A exposição de Spirou merecia um pouco mais de espaço, algo que não falta no Forum Luís de Camões. Não sendo uma exposição muito vasta, acaba por ter originais dos autores mais relevantes que trabalharam no clássico personagem. Yoann, que era para vir mas ainda não foi confirmado, é o autor que ocupa mais espaço, mas também existem por lá originais do incontornável Franquin de Janry que ilustrou o personagem durante vários anos, Jijé (que foi rebatizado de Gijé pela organização num lapso de que outros têm feito eco) e uma tirinha de Yves Chaland, entre outros. É uma exposição que parece pequena devido ao espaço que ocupa, mas que em termos de originais acaba por ter presentes todos os autores mais representativos dos 75 anos de Spirou.

A exposição “6 Esquinas de Inquietação”  tem trabalhos muito bons em exibição, autores com estilos bastantes distintos, que merecem ser apreciados e poderiam ter beneficiado mais do espaço que existe livre no festival para terem mais obras em exposição e para se poder ver mais do que uma pequena amostra do seu trabalho. Curiosamente, num festival em que sobra espaço para ver cenários, existem muitas exposições que tinham beneficiado de terem mais espaço para exibir o trabalho dos autores presentes, ou mesmo para ter mais obras desses autores, mas isso provavelmente iria exigir um pouco mais de planeamento e estar já definido (com maior antecedência) qual o espaço que estaria disponível para cada exposição.

A exposição dos 75 anos de Super-Homem acaba por decepcionar. Existem mais reproduções de trabalhos do que originais mas, mesmo assim, não é todos os dias que se pode observar ao vivo trabalhos de Jack Kirby, Brian Bolland, Alan Davis,  Gil Kane, Curt Swan, e Kevin Nowlan (embora seja só a arte-finalizar o lápis Dan Jurgens).

Jon Bogdanove tem um núcleo simpático em separado, acabando por ter uma exposição individual que não consta do programa,  sendo o desenhista do Super-Homem mais representado. Entretanto, parece que na próxima semana o autor norte-americano sempre vai estar presente na ABD13 para dar autógrafos. Parece, já que ainda não existe confirmação oficial.

E chegamos ao Piso 0 com muito espaço, muito espaço mesmo. Uns originais porreiros e o Ricardo Cabral consegue destacar-se num piso em que temos trabalho de alguns pesos pesados da BD mundial: o trabalho que realizou para o cartaz está realmente soberbo.

Encontrar o Piso -1 pode ser complicado, já que não existe qualquer tipo de sinalização, mas depois de lá se chegar o que não falta é locais para descansar. Puffs, bancos, sofás e até uma área verde. Um jardim de vasos com plantas dos mais variados feitios, talvez a invocar os cenários de alguma BD de aventuras, só é pena as plantas não estarem identificadas, para podermos enriquecer os nossos conhecimentos de botânica.

O espaço que o Jardim ocupa é bem visível na planta do Piso -1

Existe muito espaço, tanto espaço que custa a perceber porque motivos é que a exposição do Relvas é tão pequena, embora muito bem construída. A selecção que João Miguel Lameiras efectuou dos trabalhos de Fernando Relvas é muito boa. Podemos questionar a presença de uma obras e ausências de outras, mas há uma separação em três fases do trabalhos de Relvas: Tintin, álbuns e Se7e permite uma apreciar as fases e evolução de um autor que, tendo fama de baldas e preguiçoso, tem um produção regular ao longo dos últimos 30 anos que poucos em Portugal conseguem igualar. “Relvas a Três Tempos” é uma pequena mostra dessa carreira. Relvas merece uma exposição com mais espaço, que o trabalho para ser exposto existe. Apesar de os trabalhos editados em álbum serem parcos, a produção tem sido abundante.

Designar de Ano Editorial as exposição das obras nomeadas para os prémios de Banda Desenhada Nacional é quase uma piada, de tão pouco representativas que as obras nomeadas são daquilo que foi o ano editorial nacional.

A exposição de David Soares acaba por ser uma exposição onde sobressai o trabalho de Pedro Serpa, que ilustrou os álbuns “O Pequeno Deus Cego” e “Palmas Para o Esquilo”. Ao observar o trabalho, aparentemente simples, de Serpa em exposição fica a dúvida sobre o motivo porque os trabalhos são impressos num formato tão pequeno. Para quem não quiser estar a ler os guiões de David Soares, pode sair pelo jardim, que a exposição estende-se até lá, e sentar-se num banquinho a ler os álbuns ao lado das plantas. É um pormenor simpático, depois das caveiras e monstros termos um pequeno refúgio “campestre” para apreciar as obras.

Mutts tem um espaço simpático para ver as o trabalho de Patrick O’Donnell, é um espaço simpático como a obra do autor. E tem lá mais uns sofás, para lerem os livros confortavelmente.
Madalena Matoso sofre do problema de ser uma artista digital, de quem não existem originais para apreciar, só reproduções.  Dog Mendonça a e Pizzaboy tem a terceira exposição consecutiva, com a novidade de ter pranchas do terceiro álbum, que tem uma campanha de crowdfunding a decorrer para pagar a produção do álbum, a ser editado no último fim-de-semana do ABD13.

Os concursos de BD e Cartoon do ABD13 têm alguns trabalhos bons, outros nem por isso, é uma exposição algo desequilibrada devido à diferença de qualidade existente entre os concorrentes. É um daqueles casos em que menos seria mais.

O espaço para fazer fanzines é porreiro e mesmo que não queiram fazer fanzines podem aproveitar as mesas e os bancos para descansar, conversar ou comer pipocas (vendem-se neste piso).

A zona comercial é espaçosa e a zona para autógrafos ainda mais, devido à ausência de filas, salvo o caso da dupla André Oliveira/Joana Afonso que ainda está ligeiramente concorrida. A zona comercial é mesmo espaçosa e até tem uns banquinhos para se descansar a ler uns livros, e as lojas presentes não se podem queixar de falta de espaço: é que cada vez são menos as lojas/editoras presentes. Se é uma sorte ou maldição para os resistentes, só os presentes poderão responder. Polvo, Verbo, Kingpin Books, Asa, Dr. Kartoon, Devir e recepção/loja do Amadora BD são os resistentes. Mesmo assim, é possível ter acesso a quase todas as edições recentes na zona comercial, que é um melhor indicativo do que foi o ano editorial que a exposição com esse nome.

A maioria das editoras que não está presente com stand próprio acaba por ter as suas obras à venda nos stands de outras editoras ou lojas. A Dr. Kartoon é quase uma parceria dessa livraria com a Levoir, que tem lá à venda as coleções que são distribuídas com o Público. A Mundo Fantasma/Turbina tem os álbuns à venda no stand da Polvo, a Pedra no Charco tem lá vários fanzines e edições independentes, incluindo a Cru, que é uma das ausentes dos prémios de melhor fanzine. A Kingpin tem lá o “Living Will” da Ave Rara e uns fanzines do Clube do Inferno com trabalhos do André Pereira. E a Asa, bem… a Asa tem um stand que parece ter como slogan “Grandes Autores a Preços Mínimos”. Bem podiam publicitar deste modo o stand. Pratt, Bougeoun, Boucq, Jodorowosky, Marini e outros autores desse gabarito a 3 euros, naquilo que deve ser um atestado de competência à escolha criteriosa da ex-editora.

Para quem quiser adquirir obras de alguns dos melhores autores nacionais e internacionais a preço mínimos é um boa ocasião, porém existem obras que podem ter continuação que não será publicada.
Existe muito espaço para apreciar os cenários do AmadoraBD 2013, o que faz com que seja surpreendente saber que houve autores a apresentar propostas de exposições que não receberam resposta. Por falta de espaço é que não foi de certeza.

Perante tanto espaço, é caso para reiterar aquela pergunta que todos os anos se faz: “Para que serve dispersar o festival pela cidade da Amadora e arredores?”. É que existem exposições espalhadas pelos quatro cantos da Amadora que são muito boas para aproveitarem equipamentos da Câmara Municipal, mas muito más para quem quer ir visitar o festival sem andar perdido pela cidade, qual rally-paper bedéfilo, para encontrar um núcleo com uma exposição de fanzines. É que o Geraldes Lino até merece, e é capaz de lá ter alguns pedaços da história da BD nacional que não é possível ver em outro local, agora não é ali a cinco metros do fórum.

Se a descentralização do festival é algo que só a organização do festival parece achar benéfico, torna-se ainda mais difícil de entender quando o festival mingua, encolhe e fica cada vez mais uma festa familiar para a malta do meio se reencontrar.

Está um festival engraçado, com algumas obras que vale a pena apreciar ao vivo e muito espaço para apreciar os cenários. Só é pena as plantas não estarem devidamente catalogadas para se poder desfrutar melhor do safari bedéfilo.

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