Dias de Um Passado Presente por Bendis

O Passado está cada vez mais distante nos novos X-Men, de Bendis, Marquez e Immonen. Uma crítica a X-Men nº03 por Gabriel Martins.

O ano passado os X-Men comemoraram 50 anos de existência. São meio século de lutas pelos direitos mutantes, meio século em que os alunos do Professor Xavier têm vindo a batalhar por uma coexistência pacífica entre humanos e mutantes. Nesse aspecto estes 50 anos não se fazem sentir, apesar de todos os acontecimentos que envolveram este universo, a verdade é que o preconceito para com os mutantes persiste, a sobrevivência da raça mutante continua tão em perigo (ou mais) como em 1963.

Escrever histórias sobre as mesmas personagens ao longo de tantos anos pode tornar-se muito monótono por isso é imperativo que estes sofram mudanças ao longo do tempo. O jovem Anjo, em tempos mais negros, já se tornou o cavaleiro da morte de Apocalipse e até a inocente Jean Grey foi responsável pela destruição de inúmeras vidas, quando possuída pela Força Fénix – algo posteriormente reescrito. Os X-Men sempre foram heróis, mas heróis onde tanto as suas qualidades como defeitos eram explorados, uma das grandes características da Marvel -enquanto editora – e à qual o grupo criado originalmente por Stan Lee e Jack Kirby, não foi excepção.

Desta vez a fava calhou a Ciclope, o braço direito de Xavier. O mutante, que estava destinado a ser o líder dos X-Men, encontra-se hoje no período mais tumultuoso e sangrento da sua vida. Scott Summers não só trocou a via pacifista por uma que incita à revolução, como acabou por matar – quando possuído pela Força Fénix – aquele que sempre se assumiu como uma figura paternal, Charles Xavier. A ausência de Jean Grey, a ameaça da extinção mutante e o imenso poder da Fénix parecem ter tido um efeito devastador na sua personalidade, o homem que agora luta a lado com Emma Frost e Magneto parece estar cada vez mais distante daquele rapaz de coração puro, que conhecemos à 50 anos atrás.

É a partir daqui que nasce a ideia para esta nova saga. O Fera decide viajar ao passado para trazer os cinco X-Men originais até ao presente, na esperança de que o Ciclope do passado consiga chamar à razão o actual. Este 3º número da revista X-Men começa, precisamente, por destacar o jovem Ciclope, para quem a descoberta dos seus actos futuros não tem sido fácil de digerir. Este jovem idealista foi arrancado do seu tempo para descobrir que a sua luta não vai ter um final feliz, que a mulher que ama irá morrer e que o seu mentor será morto às suas “mãos” – o facto de Summers ainda não ter tido um esgotamento cerebral é, só por si, um mérito .

[pullquote align=”right”]O seu encontro com a sua versão do presente pode provar-se ainda mais catastrófico do que o de Ciclope.[/pullquote]Por isso o primeiro capítulo deste volume -o número 7 da edição americana de All New X-Men – é inteiramente dedicado à reflexão de Summers, que cansado de receber olhares reprovadores por um crime que ainda não cometeu, decide escapar da escola de Wolverine para arejar as ideias, uma acção que acaba por deixá-lo vulnerável à interacção com outros mutantes como foi o caso de Mística. É de salientar que este jovem Ciclope ainda não se tinha cruzado com esta bela e manipuladora mutante azul, não sendo por isso de estranhar que aceite a sua ajuda sem desconfiar de segundas intenções. Mística sabe como manipular este Ciclope, mais inocente, dando-lhe aquilo que ele mais precisa neste momento: uma conversa honesta e sem julgamentos.

Em seguida o destaque passa para o Anjo (do passado), uma personagem cujos desejos têm vindo a ser ignorados ao longo desta história. Warren Worthington III foi o único, dos cinco X-Men originais, a querer regressar ao seu tempo, não aceitando bem esta ideia de permanecer no futuro. Contudo, já que se viu obrigado a ficar por estas paragens, tem vindo a questionar os que o rodeiam sobre o seu futuro em particular, uma questão à qual todos se parecem esquivar. No capítulo 8, Warren acaba por encontrar as respostas que procura, mas que podem não ser as respostas que queria encontrar. Se antes estes tempos não estavam a ser fáceis para ele, o seu encontro com a sua versão do presente pode provar-se ainda mais catastrófico do que o de Ciclope, que ao menos teve mais tempo para se preparar, psicologicamente, para o que iria enfrentar.

[pullquote align=”right”]O líder dos X-Men transformou-se num líder político fanático que é fã dos Xutos e Pontapés.[/pullquote]É sugerido inicialmente que caso estes X-men regressem ao passado, Xavier irá apagar-lhes a memória e por isso nada do que estejam a ver irá ser recordado, preservando-se o futuro tal como ele existe agora. Como alterar o passado é uma espada de dois gumes, o mais seguro seria alterar apenas o presente, enviando estes cinco de volta para o seu tempo com a memória apagada. Porém, Jean Grey continua a desenvolver cada vez mais a sua telepatia, um poder que supostamente só teria conhecimento dali a um ano. Esta alteração ao passado pode revelar-se significativa, pois se Jean desenvolver mais rapidamente os seus poderes pode vir a ter a capacidade de preservar a memória destes acontecimentos.

No campo do humor continuamos a ter uma boa química entre Kitty Pride e ambos os Homens de Gelo, em particular o do passado. No capítulo 9, é engraçado não só ver Pride a treinar os cinco originais, como ver as reacções deles perante uma sala de perigo tão diferente daquela a que estão habituados.

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Brian Michael Bendis é um dos argumentistas mais falados na indústria de comics norte-americanos da actualidade, tendo um papel preponderante no planeamento do futuro da Marvel. Em relação aos seus novos X-Men, há que dar-lhe crédito por uma ideia desafiante como esta, ao confrontar as personagens do passado com o seu futuro – o actual presente dos X-Men – Bendis realiza um balanço das aventuras destes mutantes ao longo de 50 anos. O autor tem, também, o mérito de reintroduzir as viagens no tempo no universo X-Men – um mecanismo bem amado nas aventuras desta equipa – que foi popularizado pela história Dias de um Futuro passado, cuja versão cinamatográfica (Days of Future Past) chega este mês às salas de cinema.

Em relação ao enredo, o autor tem optado por uma progressão lenta da narrativa privilegiando, de momento, o desenvolvimento das personagens. Nesse aspecto Bendis tem sido capaz de criar um ambiente bastante divertido e intrigante na interacção entre os X-Men originais e os actuais. A forma como algumas destas personagens têm estado a lidar com os seus futuros demónios, também nos deixa curiosos em relação ao futuro da série, como no caso particular da evolução do relacionamento de Summers e Grey, que parecem cada vez mais afastados um do outro.

Bendis tem vindo a trabalhar muito a personagem do Ciclope (do presente) levando-o por caminhos que nem todos os fãs têm amado. O grande líder dos X-Men transformou-se num líder político fanático que é fã dos Xutos e Pontapés – está sempre a fazer um X com os braços – deixando de ser o líder ponderado e apaixonado de que todos gostávamos. De momento ainda estamos longe de saber qual o futuro da personagem, mas é provável que esta seja a história que o colocará novamente no caminho certo.

Em relação ao desenho, o trabalho alterna entre David Marquez (capítulo 7 e 8) e Stuart Immonen (capítulo 9), o desenhador regular desta série. É de ter em atenção que houve um engano nesta revista cujos créditos impressos são referentes às histórias do 2º número, por isso os autores e títulos aí citados são os dos capítulos 4, 5 e 6, em vez de serem os do 7, 8 e 9, ao qual correspondem estas histórias.

Quando Marquez substitui Immonen nota-se que o desenhador tenta aproximar-se do estilo do seu colega, o que resulta numa transição muito harmónica entre o trabalho dos dois. Nesse sentido as cores de Marte Gracia, que no capítulo 9 conta com a colaboração de Rain Beredo, também contribuem para esse sentimento. O ponto menos positivo serão as expressões faciais de algumas personagens desenhadas por Immonen, nomeadamente as mulheres – em particular as loiras – que se não fosse a roupa seriam idênticas. De resto o desenhador continua a desenvolver um trabalho fantástico e carregado de dinamismo como se pede numa história de super-heróis. Venham mais destes X-Men.

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