Para além da planificação do evento, é quando se começa a caminhar para a respectiva concretização que essa capacidade de desdobramento é posta à prova. Tradicionalmente, a Amadora falha essa primeira grande prova.
Estamos já no mês de Setembro, e não há notícias sobre o maior festival de banda desenhada realizado em Portugal, que é, também, o mais importante evento realizado na cidade.
Não foram divulgadas as datas concretas, nem o tema, nem sequer apareceu ainda o tradicional concurso.
Esta incapacidade está ligada a uma série de factores. Já aqui tenho referido que a Amadora não é muito boa a promover o que faz de melhor, e, muito menos, a comunicar esse trabalho de promoção. Mas, para além de problemas de vocação, pode estar em causa o próprio modelo de organização. Já falei, neste espaço, da maior autonomia que Beja conferiu a Paulo Monteiro. Hoje, vejo a questão de outro ângulo. Com efeito, a solução poderá passar por mudar de perspectiva relativamente ao evento. Em vez de aparecer todos os anos com a vontade de apresentar a maior das “montanhas”, talvez seja melhor trabalhar “rato” a “rato”.
Em recente reunião da Câmara Municipal da Amadora, foi aprovado por unanimidade a realização da V Feira de Arte Contemporânea da Amadora, e a atribuição do apoio de dois mil euros à Associação Círculo Artístico Artur Bual, para realização da iniciativa. Não tenho dúvidas de que esta associação consegue fazer com que a feira, a realizar no final deste mês de Setembro, cumpra os seus objectivos.
Não será de importar este modelo, mais próximo do “chave na mão”, para as diversas componentes do AmadoraBD? Poderíamos ter diferentes associações culturais encarregues de diferentes vertentes do festival, deixando para a Amadora um papel de coordenação global e, necessariamente, de fiscalização, sem excluir algumas vertentes que o festival poderia sempre assumir. É o que a Amadora já faz no âmbito desportivo, celebrando acordos com diversas associações, e construindo todo um programa anual a partir do conjunto desses acordos.
Assim, por exemplo, a Amadora aprovaria a realização de uma iniciativa, que integraria o AmadoraBD, envolvendo uma determinada exposição (em torno do tema central, por exemplo), e a vinda de determinados autores, atribuindo a uma associação cultural um apoio financeiro para concretização da iniciativa. E aprovaria a realização de uma outra iniciativa, também a integrar o AmadoraBD, envolvendo uma outra exposição (em torno de um autor premiado na edição anterior do festival, por exemplo) e a vinda do autor, atribuindo a uma outra associação cultural um apoio financeiro para concretização da iniciativa. E por aí adiante.
Qual é a diferença, em termos de eficácia?
Vamos partir da hipótese de fazer uma exposição retrospectiva do trabalho de um autor, e de trazer esse autor à Amadora. Para não complicarmos muito a questão, suponhamos que esse autor tem consigo todos os originais necessários para a exposição.
Vejamos qual a concretização disto, no modelo de acordo com uma associação, e no modelo tradicional de actuação da equipa da Amadora.
No modelo do acordo, tem de estar definida a orçamentação de algumas rubricas do festival. Mas no resto, a associação pode dar alguns passos importantes. Pode contactar desde logo o autor, directamente, e tratar da selecção das obras a apresentar, e calendarizar a vinda do autor, comprando as passagens com uma antecedência tal que consegue um preço maravilhoso. Pode ainda, com muita antecedência, preparar informação (para divulgação) sobre a iniciativa: o que é que vai ser apresentado na Amadora, e qual a importância da presença do autor (com a devida antecedência, até pode conseguir uma entrevista curta). O festival assegurará o transporte e seguro das obras, o emolduramento, e o hotel e refeições do autor, por exemplo. Com esta antecedência, e alguma divulgação assegurada pela tal associação, os livreiros não podem deixar de ter os livros do autor disponíveis no evento.
Vamos agora para o modelo de funcionamento habitual da Amadora. Para simplificar, partimos do momento em que todas as rubricas estão orçamentadas, porque é necessário que o estejam. Para trazer o tal autor, o director do festival faz uma informação, que é submetida à consideração do chefe de divisão, do director de departamento, e, finalmente, do executivo camarário (na maior parte dos casos, nenhum deles terá conhecimentos para tomar uma decisão que não seja relativa a um autor tremendamente popular). Uma vez obtida concordância, a equipa do festival prepara um ofício/convite, que é subscrito pelo executivo (ou seja, também faz o percurso). Só quando houver resposta do autor ao convite (o que pode levar várias semanas), é que a equipa do festival pode passar a contactar directamente o autor. Sem o conhecimento bedéfilo da associação, a equipa do festival perguntará ao autor se pode disponibilizar um certo número de originais. A descrição dos originais é feita para efeitos de seguro, sem qualquer tratamento informativo. A vinda do autor depende dos contratos da Câmara com agências de viagens. Com sorte, originais e autor chegam a horas do festival.
Não há, nesta segunda hipótese, qualquer passo inútil ou desnecessário. É bom sublinhar isso. A Amadora faz o que tem de fazer de acordo com a lei e o seu modelo de organização. Para agilizar, é preciso mexer num destes factores. E a alteração da lei, como se sabe, não depende da vontade da Amadora.
Pedro, sendo um fã incondicional de BD e em simultâneo responsável por uma empresa de organização de eventos de carácter cultural, concordo sem dúvida com a abordagem em termos da eficácia. Joga apenas em desfavor o facto de que as câmaras não cumprem prazos de pagamento e poucas empresas se sentem motivadas a trabalhar sem garantias. Outras, sabendo desse handicap, inflacionam os orçamentos para compensar atrasos o que depois torna incomportável a sua contratação. Tudo funcionaria sobre rodas se as câmaras cumprissem e fossem vistas como entidades credíveis, que na sua maioria não são e a Amadora não é excepção. Com muita pena minha…