São destacados quatro títulos de sucesso que nasceram nas páginas do Facebook: Sara-a-Dias, As crianças são muito infantis, Psicopatos (Entre loucos, quem tem juízo é pato) e A criada malcriada. De acordo com a informação oficial disponibilizada, propõe-se destacar o facebook como “berço” para a banda desenhada.
Pessoalmente, considero que nenhum dos títulos em questão é banda desenhada, tratando-se antes de cartoon ou desenho humorístico. Seria eventualmente mais interessante a perspetiva de discutir o ressurgimento do cartoon a partir das redes sociais (e até se poderia discutir a questão da falta de vocação do facebook para a publicação de banda desenhada, já que títulos de sucesso da área do cartoon, como estes quatro, não têm qualquer correspondência na BD).
A questão não é fácil, e nalguns casos, para além da utilização do balão que já tem sido apontado como o DNA da BD, há uma deliberada procura por uma região de fronteira entre o cartoon e a BD (como acontece n’A Criada), mas são, em todo o caso, linguagens diferentes, que se servem de técnicas diversas, ainda que tenham raiz comum. Num post recente do seu blogue, Geraldes Lino chama às tiras humorísticas “´bandas desenhadas curtíssimas”, demonstrando, pela necessidade de adjectivação, que estamos fora do conceito inicial.
Repare-se noutro aspeto elucidativo do texto de apresentação oficial da exposição: “O singular é que, nesta exposição, o visitante assume o papel de poder comentar e de fazer “gostar”, numa área definida para o efeito, como ponto de fecho da sua visita.”
Ou seja, o singular nesta exposição anunciada como respeitando a uma linguagem participativa como é a banda desenhada, é que o leitor consegue ser participante. Não parece algo de muito extraordinário. Diferente seria partir do cartoon, para dizer que o singular nesta exposição é dar ao leitor um papel participativo e não meramente receptivo. Aí sim, já poderia haver um factor diferenciador.
A afirmação de que o Facebook é um berço para a BD, é, portanto e nesta exposição, erradamente ilustrada por quatro exemplos do cartoon, pelo que não me parece sequer correto que a cidade que é a capital portuguesa da BD promova esta confusão entre linguagens próximas.
Falamos da mesma cidade que organiza os Prémios Nacionais de Banda Desenhada, no âmbito dos quais distingue o álbum de banda desenhada do álbum de tiras humorísticas.
Não vou tão longe a ponto de defender que uma mostra como esta nem devia ser apresentada na Bedeteca. Admito-a na Bedeteca, já que é também aí que estão todas as publicações de tiras humorísticas (sem preocupação de distinção de linguagem).
Poderá dizer-se que esta é apenas uma opinião, e que eu sou muito formalista em questões de definição de linguagem (entre outras), e que até há críticos de renome que admitem que tudo é banda desenhada. Tudo bem. Eu também conheço gente que está absolutamente convencida de que os filmes de animação são banda desenhada, mas isso não me parece argumento. “É tudo bonecos”, é certo, mas exige-se um maior rigor quanto à especificidade duma linguagem que se deve conhecer bem, a da banda desenhada. Nesse sentido, a exposição deveria ter sido melhor enquadrada, começando pelo título equívoco.