A BD no Facebook

A exposição BD Facebook – a culpa é do "like", com muito pouca divulgação, inaugurou no passado dia 26 de Novembro na Bedeteca da Amadora (está patente até ao final de Março de 2016),

São destacados quatro títulos de sucesso que nasceram nas páginas do Facebook: Sara-a-Dias, As crianças são muito infantis, Psicopatos (Entre loucos, quem tem juízo é pato) e A criada malcriada. De acordo com a informação oficial disponibilizada, propõe-se destacar o facebook como “berço” para a banda desenhada.

Pessoalmente, considero que nenhum dos títulos em questão é banda desenhada, tratando-se antes de cartoon ou desenho humorístico. Seria eventualmente mais interessante a perspetiva de discutir o ressurgimento do cartoon a partir das redes sociais (e até se poderia discutir a questão da falta de vocação do facebook para a publicação de banda desenhada, já que títulos de sucesso da área do cartoon, como estes quatro, não têm qualquer correspondência na BD).

A questão não é fácil, e nalguns casos, para além da utilização do balão que já tem sido apontado como o DNA da BD, há uma deliberada procura por uma região de fronteira entre o cartoon e a BD (como acontece n’A Criada), mas são, em todo o caso, linguagens diferentes, que se servem de técnicas diversas, ainda que tenham raiz comum. Num post recente do seu blogue, Geraldes Lino chama às tiras humorísticas “´bandas desenhadas curtíssimas”, demonstrando, pela necessidade de adjectivação, que estamos fora do conceito inicial.

Repare-se noutro aspeto elucidativo do texto de apresentação oficial da exposição: “O singular é que, nesta exposição, o visitante assume o papel de poder comentar e de fazer “gostar”, numa área definida para o efeito, como ponto de fecho da sua visita.”

Ou seja, o singular nesta exposição anunciada como respeitando a uma linguagem participativa como é a banda desenhada, é que o leitor consegue ser participante. Não parece algo de muito extraordinário. Diferente seria partir do cartoon, para dizer que o singular nesta exposição é dar ao leitor um papel participativo e não meramente receptivo. Aí sim, já poderia haver um factor diferenciador.

A afirmação de que o Facebook é um berço para a BD, é, portanto e nesta exposição, erradamente ilustrada por quatro exemplos do cartoon, pelo que não me parece sequer correto que a cidade que é a capital portuguesa da BD promova esta confusão entre linguagens próximas.

Falamos da mesma cidade que organiza os Prémios Nacionais de Banda Desenhada, no âmbito dos quais distingue o álbum de banda desenhada do álbum de tiras humorísticas.

Não vou tão longe a ponto de defender que uma mostra como esta nem devia ser apresentada na Bedeteca. Admito-a na Bedeteca, já que é também aí que estão todas as publicações de tiras humorísticas (sem preocupação de distinção de linguagem).

Poderá dizer-se que esta é apenas uma opinião, e que eu sou muito formalista em questões de definição de linguagem (entre outras), e que até há críticos de renome que admitem que tudo é banda desenhada. Tudo bem. Eu também conheço gente que está absolutamente convencida de que os filmes de animação são banda desenhada, mas isso não me parece argumento. “É tudo bonecos”, é certo, mas exige-se um maior rigor quanto à especificidade duma linguagem que se deve conhecer bem, a da banda desenhada. Nesse sentido, a exposição deveria ter sido melhor enquadrada, começando pelo título equívoco.

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