Vítima dos imprevistos que já foram mencionados e que também abrangem outros colaboradores, a secção de críticas tem andado um pouco parada. Enquanto não regressam as críticas “a sério”, ficam aqui alguns apontamentos sobre edições recentes.
A melhor edição da Pior Banda do Mundo
No ano em que José Carlos Fernandes celebra 50 anos de vida, a Devir resolveu fazer uma edição definitiva da sua obra-prima, A Pior Banda do Mundo, numa edição de luxo em dois volumes que reúnem os seis álbuns editados anteriormente.
Em relação à BD propriamente dita, falarei mais tarde. Queria só salientar os excelentes valores de produção dos dois volumes, óptima encadernação, bom papel, A Pior Banda já merecia um tratamento destes. Só dois pormenores que me desagradam: o facto de serem dois volumes e não três – não me peçam para explicar isto, mas não gosto de coisas em duas partes, prefiro em um volume ou três ou mais – e a falta de alguns extras, como uma secção de esboços.
Dois pequenos detalhes que não retiram valor a esta obra incontornável da BD nacional, agora disponível num formato digno, que já era merecido há muito tempo.
O meu problema com Bendis
Não gosto da escrita de Brian Michael Bendis e, um dia, ainda quero que alguém me explique o motivo porque pensaram que Bendis era um dos meus argumentistas favoritos!
Pessoalmente considero a escrita de Bendis chata, aquele que no início da sua carreira era considerado um “Tarantino da BD” sobrecarrega de diálogos desnecessários os seu guiões. Esse facto não o impediu de se tornar num dos argumentistas mais bem sucedidos do mercado norte-americano. Em parte é daí que advém o meu problema com Bendis, não por lhe desejar o insucesso, mas porque o seu sucesso lhe permite trabalhar com alguns dos melhor desenhistas do mercado norte-americano – a revista X-Men que a Panini anda a editar é um bom exemplo disso.
Os desenhistas residentes dos títulos All New X-Men e Uncanny X-Men são Stuart Immonen e Chris Bachalo, com convidados como David Marquez e o excelente David Lafuente.
Eu juro que tentei ler X-Men, mas não consegui e até fiquei surpreso com a crítica positiva do Gabriel Martins e outras opiniões positivas.
O problema é que a arte é mesmo boa, Chris Bachalo no seu estilo mais comercial está de regresso a uma boa forma tendo abdicado de alguns recursos estilisticos que tornavam as pranchas quase ilegíveis. Stuart Immonen está a fazer da melhor arte que se encontra em revistas de super-heróis, incluindo influências de Adam Hughes no seu traço. O desenhista surge em X-Men com um desenho elegante, dinâmico, com pranchas fluidas e dinâmicas. Contando com a arte-final de Wade Von Grawbadger e cores de Rain Beredo ou Marte Garcia, a arte está simplesmente soberba.
No número seis, da edição portuguesa, existe um capítulo ilustrado pelo espanhol David Lafuente que, num estilo completamente diferente, mantém a qualidade. Lafuente, que já tinha colaborado com Bendis em Ultimate Spiderman – estão a ver porque não gosto do homem – assina uma história onde surge com o seu traço habitual, com influências nipónicas, embora mantenha um estilo próprio que lhe permite ter um desenho estilizado mas dinâmico, capaz de capturar a expressividade dos personagens e rico em detalhe.
É por este e por outros detalhes que continuo a sonhar com uma edição especial de X-Men, sem os diálogos de Bendis e apresentando só o trabalho dos artistas que colaboram com ele.
Os Vingadores sofrem de um excesso de rotatividade
Após ter recuperado algum fôlego com o início de Novos Vingadores, parecia que Jonathan Hickman estava finalmente a mostrar o seu valor enquanto argumentista. Após terminar o primeiro arco de Novos Vingadores, na edição número quatro, no número cinco tivemos o regresso de Vingadores (Avengers), naquele que foi até agora o melhor arco dessa equipa.
A história que marca a inclusão de conceitos do Novo Universo Marvel – falaremos sobre ele mais tarde – no Universo regular da Marvel apresentou uma história coesa, com um foco narrativo e arte competente de Dustin Weaver. Parecia que os Vingadores estavam no bom caminho, mas foi sol de pouca duração.
O sexto número da edição portuguesa, onde foram publicadas as últimas três histórias do primeiro ano da edição americana, marca um regresso aos pecados originais da revista até ao momento: falta de foco narrativo.
Existe uma nova mudança de protagonistas e do foco narrativo, embora tenha a virtude de começar a explorar mais alguns dos cliffhangers que Hickman tinha deixados soltos nos primeiros número. No entanto, no final fica muito pouco sumo, quase como que se estas histórias fossem um mero prelúdio para o Infinito que se aproxima. Para complicar as coisas, a arte de Mike Deodato é hiper-musculada, agressiva e confusa quando tenta criar layout de página dinâmicas. A presença de Dustin Weaver em algumas pranchas da história “Evolui” não chega para compensar os cenários, que são meras fotografias (mal) trabalhadas em Photoshop por Deodato.
Existe um excesso de rotatividade em Vingadores, quer a nível de personagens, quer a nível de artistas, o que torna um pouco difícil criar uma empatia com as personagens ou sequer saber o que se vai encontrar na revista a nível artístico. Quando se aproxima Infinito, que é o culminar das histórias que Hickman tem estado a planear, já se devia ter uma ideia mais concreta sobre quais eram os personagens principais, motivações e direcção da revista.
De qualquer modo, continuo a preferir Hickman a Bendis e adorava que Os Vingadores fossem ilustrados pelos artistas de X-Men!
Uma vida real de fabrico industrial
A publicidade da Real Life não engana¬: é uma revista de romance adolescente, dirigida a um público feminino. Não é um trabalho original no conceito nem é executado de modo superior, mas cumpre dentro do que se espera, sendo que a nível narrativo tem alguns pormenores que merecem (e serão) dissecados em maior detalhe.
Entretanto, a história das três adolescente – que nem eram amigas – e criaram o rapaz perfeito continua a ser uma leitura agradável para o seu público alvo.
O Pato Secreto Contra-Ataca
No número 20 da Hiper, Double Duck está de regresso após ter protagonizado um Disney Especial da Goody. Com o título global de “Coração Térmico”, temos cinco histórias de espionagem à maneira da Disney, protagonizadas pelo Pato Donald.
Tendo em conta que o Double Duck ocupa um terço das páginas da revista, não se percebe muito bem porque motivo é que não surge na capa (em vez do Tio Patinhas), ainda por cima quando as lombadas deste número começam a formar o seu logótipo que estará completo na edição número 24 da Hiper. A presença de Double Duck nessas cinco edições já foi confirmada pela editora.
As histórias de Double Duck sobressaem pela cor (aqui “supervisionada” por Max Monteduro) e pela panificação dinâmica, que quebra a tradicional grelha de seis vinhetas que é usual nas histórias Disney italianas. As cores mais vivas e que adicionam volume contrastam com as cores planas que são usuais nestas edições. Double Duck pedia uma edição num formato superior e com um papel de melhor qualidade que fizesse sobressair o bom trabalho a nível de desenho e cor que está patente nas histórias.
Entre Serpentes e Lugares Seguros.
Existem dois lançamentos da Kingpin Books que merecem umas críticas mais extensas, mas por agora ficam só dois apontamentos rápidos.
Tony Sandoval tem uma aversão por linhas rectas e gosta de vinhetas assimétricas, o seu estilo de desenho espontâneo até pode desagradar a alguns. Porém, o seu talento é inegável. Em termos de argumento, Serpentes de Água não é muito profundo ou complexo, mas é uma leitura agradável, violenta e simultaneamente onírica.
Safe Place de André Pereira ainda está na lista de leituras a realizar, mas vale a pena salientar os bons valores de produção da edição, que apesar de ter poucas páginas é um objecto agradável. A capa está muito boa, em particular a cor que resulta melhor que em qualquer prancha do seu anterior álbum. As ilustrações de Paula Almeida são um bom extra, valendo por si só o preço de admissão.
A temática sobrepõe-se ao conteúdo?
Propaganda, de Joana Estrela, editada pela Plana Press, é um dos raros álbuns de autores portugueses de BD que aborda a temática das sexualidades não normativas.
Num país em que existem lacunas a nível de várias temáticas, abordadas por por autores portugueses, a ausência de personagens homossexuais ou obras que abordem essa vivência é só mais uma lacuna. Propaganda vem permitir ter uma visão em banda desenhada dessa vivência, embora com a particularidade de sendo a autora (e protagonista) portuguesa, a acção se desenrolar em Vilnius na Lituânia.
A nível narrativo, a obra é caracterizada por uma quase ausência de conflito, é um simples relato de episódios que aconteceram ao longo de um ano, num país estrangeiro que tem a particularidade de ser homofóbico e intolerante.
A nível gráfico, a obra tem várias falhas: o desenho de Joana Estrela é plano, falta-lhe volume e profundidade, e teria beneficiado da aplicação de cor para ter uma outra dimensão. Contudo, a falha mais grave é um que não é um exclusivo seu e que se verifica em outras obras, como “O Desenhador Defunto” de Sousa Lobo ou (aparentemente) em “Móraria” de Smith Vargas: uma má legendagem manual. Os autores optarem por realizar a legendagem de uma história manualmente, em vez de utilizarem um programa gráfico, é uma escolha válida – convém é que essa legendagem manual seja legível e com qualidade, caso contrário é preferível utilizar um programa que permita um trabalho mais competente e que possibilite ao leitor ler as legendas sem ter de andar a decifrar caracteres.
Propaganda acaba por ser uma boa ideia para um livro, mas que acaba por se revelar como um projecto inacabado. Dá a ideia de ser mais um rascunho de uma obra que não foi concluída, que um produto final que se deva apresentar ao público.