Realidade

A página do facebook do AmadoraBD anuncia uma exposição de trabalhos autobiográficos (em banda desenhada) dos alunos participantes nas sessões sobre comportamentos de risco.

É uma exposição desenvolvida em parceria com o projeto “Escolhe Viver”, uma iniciativa que visa prevenir comportamentos de risco nos estudantes do ensino secundário (em especial os riscos do alcoolismo, do consumo de drogas e das doenças sexualmente transmissíveis), adoptando uma linguagem e pedagogia pela positiva, que pretende mostrar as vantagens de viver uma vida sem amarras ou vícios.

Numa outra crónica, já falei sobre as vantagens da utilização da linguagem da BD neste tipo de iniciativas, pelo que acho uma boa ideia.

Mas este tipo de abordagem (pela positiva) faz com que a exposição assuma um caráter de contraponto relativamente à mostra – igualmente anunciada – dedicada à antologia Zona de Desconforto. Não será um contraponto em termos de proposta artística, na medida em que não pode comparar-se o trabalho de autores consagrados com o das propostas destes alunos, mas é um contraponto na abordagem: dum lado temos o retrato da realidade (de diferentes países para onde emigraram – para estudar ou para trabalhar – aqueles autores portugueses) num registo autobiográfico (Zona de Desconforto), e de outro lado temos esse retrato e esse registo, mas assumindo uma escolha não conformista (“Tu fazes a tua história”).

Na Zona de Desconforto, os autores viram-se forçados a emigrar, e o editor viu-se impotente para travar a partida daqueles autores (também, em muitos dos casos, amigos), o que levou a idealizar o projeto. Em Tu Fazes a Tua Vida, por muito que as condições externas pareçam inevitáveis, há espaço para a escolha individual.

A presença simultânea das duas mostras até poderá levar a pensar que estes dois pólos se complementam, e que passado o secundário, vai reduzindo o espaço para a escolha.

Acredito que não é assim. Nesse sentido, mesmo que com menor qualidade gráfica e narrativa, os trabalhos destes alunos podem revelar um valor acrescido relativamente àquilo que a Amadora distinguiu em 2014 como melhor álbum de BD nacional: é o valor acrescido da liberdade individual, da escolha positiva. Em última análise, é mostrar que a BD pode ir além da “selfie”.

A ideia de que a realidade, para ser fielmente retratada, tem de ser negativo-depressiva, é um preconceito, que desconsidera completamente o papel do indivíduo.

Uma última nota para dizer que a Amadora tem tirado pouco partido dos projetos que vem desenvolvendo (ou que, pelo menos inicia) com algum impacto de intervenção social, cultural ou política. A aposta neste tipo de mostras tem sido uma constante, e tem contribuído para a definição da linha editorial do Amadora BD. E é uma tradição muito antiga. Tendo presentes apenas as últimas cinco edições do festival, podem destacar-se neste tipo de abordagem o encontro de lusofonia de 2010, a inserção da exposição sobre Peanuts numa angariação mundial de fundos para a UNICEF em 2011, a forma como foi abordado o tema da autobiografia em 2012 (acrescendo a mostra de Sapin sobre a campanha presidencial francesa no mesmo ano), a exposição “Seis esquinas de inquietação” em 2013, ou a mostra dedicada a Blanca Rosita Barcelona em 2014. No entanto, como se vê, é uma tradição que vive mais de sucessivos primeiros passos do que de um trabalho de continuidade que explore as pistas avançadas pelo festival.

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