Foi em 17 de Novembro de 1951 que foi publicada na Dinamarca a primeira tira de Petzi, agora 63 anos depois, o personagem encontra-se de volta às livrarias nacionais por uma nova editoras que é também um loja: a Ponto de Fuga.
Ponto de Fuga, a nova editora de Petzi em Portugal, foi criada por Vladimiro Nunes, ex-jornalista do semanário Sol, e pela sua esposa Fátima Fonseca, a Ponto de Fuga é “uma nova editora independente que tem por objectivo publicar obras e autores de qualidade nos diferentes géneros – ficção, não ficção, poesia e infantojuvenil –, assumindo também a missão de reeditar títulos que, tendo desaparecido das livrarias, mereçam regressar ao convívio com os leitores.”
Um desses casos é a colecção Petzi, da autoria do casal dinamarquês Vilhelm (1900-1992) e Carla Hansen (1906-2001) – ele autor das ilustrações, ela dos textos, um clássico da banda-desenhada infantil onde “as histórias, temperadas com um humor suave mas certeiro, divertem ao mesmo tempo que promovem valores como a amizade, a bondade, a entreajuda, o trabalho e o espírito de aventura”, publicada originalmente em Portugal pela Difusão Verbo, mas que já estavam há muito fora do mercado.
A série regressa agora através da nova editora que já colocou no mercado os três primeiros volumes: ‘Petzi Constrói um Barco’, ‘Petzi e a Baleia’ e ‘Petzi e a Mãe Peixe’. As novas são traduzidas directamente a partir do original dinamarquês por Susana Janic, com objectivo de apresentar a novas gerações o ursinho Petzi, vestido de jardineiras vermelhas às bolas brancas e característico gorro azul, e a sua trupe de amigos inseparáveis: Pingo, o leal pinguim; Riki, o pelicano de cujo grande bico saíam a voz da razão e os objectos mais inacreditáveis; Almirante, a foca indolente e conhecedora de todos os segredos dos mares e dos marinheiros.
A primeira tira diária diária de Petzi saiu no vespertino Berlingske Aftenavis a 17 de Novembro de 1951 e a série rapidamente se tornou popular, não só pelo seu estilo de desenho inconfundível (Vilhelm Hansen foi reconhecido pela Bibioteca Nacional Francesa como um dos 100 maiores cartunistas europeus do século XX), mas também pelo facto, facilitador para as crianças mais novas, de os textos não surgirem em balões de diálogo, mas em legendas abaixo das ilustrações – foi assim até 1959, altura em que as histórias passaram a ser contadas com recurso a balões.
A ideia era que a narrativa pudesse funcionar o mais possível em termos visuais, minorando a necessidade de ler os textos, embora com o tempo estes tenham ganho uma importância cada vez maior. Talvez por isso, Carla só tenha passado a ser creditada como coautora ao terceiro álbum, ‘Petzi e a Mãe Peixe’ (o primeiro, ‘Petzi Constrói um Barco’, saiu em 1952).
Desde a estreia, as tiras do Petzi foram publicadas em mais de 400 jornais e os seus livros editados em quase 30 países, tendo vendido outros tantos milhões de exemplares. Para o pequeno ecrã foram produzidos, até à data, 52 episódios de desenhos animados, com crescente êxito global. Mas por mais popular que o Petzi seja em várias partes do mundo, na Dinamarca é praticamente um símbolo nacional. Em 2011, um estudo de mercado promovido pelo grupo editorial que detém os direitos da série apurou que a taxa de reconhecimento do Petzi, junto das crianças e jovens dinamarqueses entre os três e os 18 anos, era de 99 por cento. No ano anterior, a personagem tornara-se uma das principais atracções do Tivoli, em Copenhaga – um dos parques de diversões mais antigos e populares do mundo (abriu em 1843 e recebe actualmente mais de quatro milhões de visitantes por ano).
Em 2001, o 50.º aniversário da personagem foi assinalado com a emissão de quatro selos comemorativos. Em 1998, Carla Hansen criou o Rasmus Klump Prisen (Prémio Petzi), para distinguir personalidades ou instituições que, através das suas iniciativas, espelhem a filosofia da série, provendo a amizade e a lealdade e constituindo um bom exemplo para os dinamarqueses. O prémio (um desenho original do Petzi, uma estatueta do Pingo e 25 ou 50 mil coroas dinamarquesas – cerca de 3350 ou 6700 euros, soma normalmente doada pelos vencedores a instituições de caridade) é entregue todos os anos numa cerimónia na Câmara Municipal de Copenhaga, no fim da qual são servidas as inevitáveis panquecas. O vencedor da primeira edição foi o herdeiro do trono dinamarquês, Príncipe Frederico, que em tempos integrou o Corpo de Mergulhadores (uma Força de Operações Especiais do Comando Naval Dinamarquês), onde, nem de propósito, ficara conhecido como ‘Pingo’ – nome que lhe ficou literalmente marcado na pele, numa tatuagem.
Quando começou a desenhar o ursinho Petzi, Vilhelm Hansen tinha 51 anos e era já um ilustrador experiente, com créditos firmados na área da publicidade (as suas ilustrações de automóveis Ford, nos anos 30, tinham-lhe valido elogios do fundador da marca, Henry Ford). Mas apesar de algumas incursões na banda-desenhada, a meias com a mulher, Carla, que concebia as histórias, foi com o aparecimento do Petzi que Hansen se impôs definitivamente nessa área. No final da década de 40, o Presse Illutrations Bureau (PIB), com sede em Copenhaga, tivera um enorme sucesso a vender aos jornais a série de tiras de banda-desenhada infantil ‘Strudsen Rasmus’. Quando o autor decidiu colocar um ponto final na série, o PIB contactou Vilhelm e Carla, com quem já trabalhara em diversos projectos, pedindo-lhes que criassem uma nova personagem e fazendo uma única exigência: que o protagonista se chamasse Rasmus. No Verão de 1951, o casal apresentou uma primeira versão da nova série, protagonizada por uma tartaruga com esse nome. Embora gostando do resultado, o PIB entendeu que um protagonista tão pequeno e lento como uma tartaruga não oferecia grandes possibilidades. Vilhelm e Carla acederam a pensar em alternativas e, em Agosto de 1951, apresentaram o tão celebrado ursinho de jardineiras vermelhas com bolas brancas. A tartaruga também não ficou esquecida: permaneceu na versão final e protagonizou, ao longo de toda a série, pequenas histórias paralelas nos mesmos quadradinhos em que decorre a acção principal.
À partida, o ursinho esteve para se chamar ‘Bjørnen Rasmus’ (Rasmus, o Urso), mas Carla Hansen opôs-se, alegando que devia ter um apelido como toda a gente, além de que o nome era demasiado violento para o público infantil. O apelido ‘Klump’, que acabou por prevalecer, ficou a dever-se a um Golden Retriever homónimo que vivia no apartamento abaixo do dos Hansen, em Copenhaga. Na Alemanha, França, Itália e Portugal, ‘Rasmus Klump’ ficaria conhecido como Petzi.
No dia em que se celebra o 63º aniversário da publicação da primeira tira de Petzi abriu, na sede da editora Ponto de Fuga, pequena loja – uma espécie de ‘mercearia cultural’ onde para além dos livros e produtos próprios, disponibiliza “uma selecção criteriosa de títulos de outros editores, seguindo uma lógica de ‘se não editámos, gostávamos de ter editado’.” Existindo ainda espaço para uma selecção de discos em vinil.
Os três primeiros volumes da colecção Petzi, editados pela Ponto de Fuga, têm 32 páginas cada, e são comercializados a 6,50€.