A Água Castello, com nascentes em Pisões – Moura, foi lançada em 1899, pela empresa Águas de Moura, e permanece como uma marca de referência no sector das águas com gás. Este ano para celebrar o seu 115º aniversário contratou a empresa Strat para conceber uma campanha publicitária sob o mote “Não é água. É Castelo”.
Em declarações ao Diário Digital, Jorge Henriques, director-geral da Água Castello, indicou que a campanha tinha “como objectivo reposicionar a marca junto de um território urbano, cosmopolita e trendy. Apostando fortemente na irreverência do storytelling visual, presente nas várias peças criadas”, tendo para esse efeito sido criada a “Não é água. É Castello.”
A marca Castello é uma marca com história. Faltava-lhe uma narrativa. Ao observarmos a assinatura “Não é água. É Castello.” percebemos de imediato que era algo a preservar. São várias as histórias que ela vive. Porque não contá-las? Foi isso que fizemos. Por detrás de cada garrafa aberta de Água Castelo há uma história.
As declarações do director criativo da Strat, também ao Diário Digital, só não mencionam é que essa narrativa foi “inspirada” e utilizava imagens da autoria de Charles Burns. U,m facto que não passou despercebido à Fantagraphics que foi rápida a comentar a situação – de modo pouco diplomático, por Eric Reynolds – no blog da editora, indicando que a “Água Castello devia a Burns”, colocando lado a lado as imagens utilizadas na campanha publicitária e o material original utilizado.
Em declarações ao Expresso Eric Reynolds, editor da Fantagraphics, reiterou que “utilizaram as imagens de Burns sem compensação nem consentimento do [artista]” e “em vez de reconhecerem o erro, tentaram despistar-nos com falas mansas.”
José Carlos Campos, director executivo da Strat, em comunicado enviado ao Expresso, defendeu-se das acusações de plágio indicando que “no mundo da publicidade todos os dias os criativos de todas as áreas em vários pontos do globo servem-se de referências cinematográficas, fotográficas e de outras expressões artísticas para o desenvolvimento do seu trabalho.”
“José Saramago, Fernando Pessoa ou, mais recentemente, J.K. Rowling, todos foram acusados de plágio. Não há acusação mais fácil de fazer e, ao mesmo tempo, mais subjectiva”, segundo o director executivo que em momento algum menciona o nome de Burns.
Nelson Zagalo, professor assistente na Universidade do Minho e autor o blog Virtual Illusion, publicou no sua página de Facebook um desconstrução sobre a acusação de plágio e a legalidade da apropriação de obras alheias.
Inicialmente tive dúvidas, mesmo depois de ver algumas imagens da editora, principalmente porque não gosto de embandeirar com ataques de plágio no mundo das artes visuais já que tenho visto demasiado trabalho ser atacado injustamente. Mas vista a composição de desmontagem visual realizada pela Fantagraphics, que aqui partilho, as minhas dúvidas desvaneceram-se por completo (a cara do topo da garrafa é composta a partir da parte inferior da cara de um desenho, e da parte superior da cara de outro desenho). Estamos perante um trabalho de remix muito bem feito, o que para mim não teria nenhum problema caso fosse para ser usado sem fins lucrativos. Mas a ser usado deste modo, é mau, é muito mau.
Da análise do trabalho da Strat, a agência que criou a campanha, verifico que são muito bons em manipulação de fotografia. Ora é isso que temos nas garrafas da Castello, quadros de desenhos de Charles Burns manipulados (redimensionar ou rodar imagens, adicionar traços ou pontos, sobreposição de diferentes imagens para formar outras, etc.). Por isso vir dizer que meramente se “serviram de referências” é altamente abusivo, pois não estão cá referências, mas antes o trabalho em concreto de outro autor.
Sei bem porque a Strat diz isto, porque à partida não existe cobertura legal para que a Strat possa ser processada, uma vez que a manipulação deste tipo é muito usada exactamente para fugir aos direitos de autor. Ou seja em vez de pagar os direitos, alteram-se os trabalhos originais para ficarem ligeiramente diferentes, e assim passarem no crivo.
Mas se isto pode ser “aceitável” na faculdade ou em trabalhos sem componente comercial, desde que citadas as fontes, não é, nem pode ser, tolerado a uma empresa que quer trabalhar a este nível. Porque o que vemos aqui é simplesmente o cortar de custos. Não se contrata um ilustrador, nem se quer pagar quem desenhou o que se encontra online, mas pretende-se receber por um trabalho não realizado.
A Água Castello deve mandar retirar a campanha sem demoras, realizar um pedido de desculpas a Charles Burns, e pedir a total devolução da verba paga à Strat.
Não sabemos se a Água Castello seguiu o conselho de Zagalo e pediu a devolução da verba paga à Strat, contudo – apesar de não ter pedido desculpas a Burns – a empresa através do sua página de Facebook comunicou o fim da campanha publicitária.
A Água Castello, enquanto marca portuguesa, sempre se guiou por valores de responsabilidade, qualidade e transparência, o que lhe granjeou a admiração e o respeito dos seus inúmeros consumidores. A Água Castello quer acreditar que a agência de publicidade que desenvolveu a campanha ‘Não é Água. É Castello’ se pautou pelos mesmos princípios como tem reiterado. No entanto, para que nenhuma dúvida subsista e como prova de boa fé, a Água Castello vai dar por terminada esta campanha. A Água Castello quer continuar a merecer o respeito dos seus consumidores, dos criadores e de todos os que amam a verdade.
A verdade é que essa decisão só surgiu após alguns comentários menos abonatórios e algumas sátiras à campanha publicitária e à situação de plágio.
O mais irónico desta situação é que, apesar de haver quem considere que a arte de Charles Burns é boa para vender água mineral, não existe um livro do autor publicado em Portugal.
se calhar por não haver um livro editado é que eles pegaram no Burns…Tanto bom desenhador neste cantinho e tiveram que ir pelo caminho mais feio.
Osvaldo Medina
Eu quando vi os mupis pensei que a arte fosse do João Maio Pinto que tem um estilo que (para mim) é similar sendo um dos autores nacionais que podia ter realizado a ideia (que era interessante) de modo original. Com a quantidade de autores nacionais capazes de criar narrativas gráficas não havia mesmo necessidade.
Eu acredito que o facto de Burns ser inédito em Portugal contribuiu para a utilização da sua arte, esqueceram-se foi de que existe internet, agora a ironia está nas concepções do que é comercial e alternativo, no que tem apelo para o grande público e o que não tem. Charles Burns é um dos autores “independentes e alternativos” de referência de uma das editoras “independentes e alternativas” de referência norte-americanas, agora isso não impediu uma agência de publicidade (e a empresa que a contratou) de considerar que era apelativa para um público muito mais vasto que aquele que as editoras de BD tentam atrair.