A Última Caçada de Kraven foi considerada pelo site IGN como “uma das mais memoráveis histórias do Homem-Aranha de todos os tempos”, chegando mesmo a ser considerada a melhor aventura do aracnídeo. Em 2012 foi votada pelos leitores do site Comic Book Resources como a melhor história do Homem-Aranha já contada.
A Simetria da Aranha
A premissa da história é simples, mas fascinante: Sergei Kravinov, mais conhecido como Kraven, o Caçador, decide metamorfosear-se no seu inimigo para o superar, consumando assim a caçada perfeita.
Encontrando-se às porta da morte e estando ciente disso, Kraven decide capturar sua principal presa, a que sempre lhe escapou e é o seu maior rival: o Homem-Aranha. Para poder repousar em paz, utilizará as suas últimas forças para demonstrar a sua superioridade face ao seu grande inimigo, mostrando quem é realmente o caçador supremo. Para isso não lhe basta capturar o Aranha. Kraven terá de transformar-se nele, para demonstrar como é superior a Peter Parker.
O argumentista J.M. DeMatteis pretendia utilizar este conceito com Batman, tendo eventualmenteria tido a oportunidade de o fazer, mas a sua proposta foi recusada pelo editor da DC Comics nos anos 80. Seria novamente rejeitada quando a pretendendeu concretizar utilizando o personagem Wonderman da Marvel. Só quando o argumentista a propôs ao editor das revista do Homem-Aranha é que ela foi aprovada, tendo sido adaptada para se enquadrar dentro das linhas-mestre que caracterizavam o personagem naquele período.
A história foi ilustrada por Mike Zeck, contado com arte-final de Bob McLeod, e editada em 1987. Os seis capítulos foram publicados nas três revistas do Aranha: Web of Spider-Man,The Amazing Spider-Man e Peter Parker– The Spectacular Spider-Man. Apesar de inicialmente só estar planeado ser publicada na Spectacular Spider-Man o editor, Jim Salicrup, decidiu publicá-la como um crossover dos três títulos. Salicrup considerou que o impacto da morte de Peter se perderia caso existissem outras histórias a serem publicadas ao mesmo tempo, onde esses eventos não se reflectiam.
Essa opção permitiu que a a história tivesse uma aura de ser um fundamental evento na vida do personagem.
A visão de DeMatteis
“Uma obra de tirar o fôlego que inspirou inúmeras imitações por outros escritores ao longo dos anos.”
Brian Cronin
Um dos intuito do argumentista tinha, para esta história, era o explorar a personagem do Homem-Aranha e a concepção que aqueles que habitavam no seu mundo tinham dele, começando pelo seu arqui-inimigo, para DeMatteis “o que [Kraven] pretende fazer é matar o Homem-Aranha e, em seguida, ocupar o seu lugar – provar que ele pode ser um Homem-Aranha melhor do que o [próprio] Homem-Aranha. É óbvio que aquilo em que ele se transforma não é o Homem-Aranha, mas na pessoa que ele pensa o Homem-Aranha é. De certo modo, Kraven transforma-se em algo semelhante ao Cavaleiro das Trevas de Frank Miller.”
Algo que é bastante distinto daquilo que Kraven pretendia. Mesmo, na fase em que Parker utilizava o uniforme negro – originalmente um simbionte alienígena e que se transformaria, mais tarde, na personagem Venom – esse facto não altera aquelas que são as principais características do personagem.
Uma das coisas sobre Peter Parker, como Homem-Aranha, é que ele não coloca uma máscara e transforma-se no”Homem-Aranha.” Ele não se transformada numa criatura negra da noite. Não importa o fato que ele usa, não importa o que ele faz, Peter Parker é sempre um individuo muito humano, apaixonado e carinhoso. Kraven não sabe disso,e essa é a grande diferença.
JM DeMatteis
É com base nesta perspectiva que DeMatteis constrói o relacionamento de Kraven e Homem-Aranha, enquanto o matrimónio recente de Peter Peter e Mary Jane é abordado numa narrativa secundária que explora o modo como Mary lida com o desaparecimento de Peter, e como ela reagiria se este falecesse em acção.
Deste modo,o argumentista cria uma história que, segundo Jason Serafino, “apresenta usual acção característica da BD de super-heróis norte-americana, mas também mistura aspectos e temas recorrentes da literatura clássica, a fim de apresentar uma narrativa mais profunda e complexa.”
A utilização do poema Tigre de, William Blake é a faceta mais visível dessa influência literária, a qual até é usual na obra de J.M. DeMatteis. Elementos que em parceria com o fotorealismo sombrio da arte de Mike Zeck, criam uma narrativa sofisticada, numa das obras que contribuiu para o amadurecimento que a BD norte-american teve nas décadas de 80 e 90.
A Última Caçada de Kraven teve uma recepção muito positiva entre os críticos e o público, originando também uma exploração comercial da mesma.
J.M. DeMatteis voltou a revisitar esta história em Soul of the Hunter, contando também com a arte de Zeck e McLeod, e mais tarde com Kraven’s First Hunt e Grim Hunt. Aventuras de Homem-Aranha que não estiveram à altura da elevada fasquia do do original.
Para além das sequelas directas, A Última Caçada de Kraven também inspirou outras que não se assumem como tal. A história mais aclamada do Homem-Aranha dos últimos anos, Homem-Aranha Superior, tem como ponto de partida a mesma premissa da obra concebida por DeMatteis e Zeck.
Última Caçada de Kraven: Versões de um clássico.
Esta história chegou a Portugal pela primeira vez numa edição encadernada da Abril Jovem, e foi reeditada num álbum de capa dura em 2014 pela Levoir, na colecção Universo Marvel. Não deixa de ser algo caricato estar actualmente a ser já distribuída a mais recente edição da Panini Books, editada em Dezembro de 2015, especialmente porque tem um preço de 12,00€ enquanto a edição da Levoir ainda pode ser adquirida por 8,90€. Apesar deste pequeno detalhe, não deixa de ser salutar estar disponível no nosso mercado uma das melhores histórias de sempre do Homem-Aranha.