Efetivamente, a BD portuguesa encarrega-se muitas vezes de limitar a sua própria ação e ambição, inventando guerrilhas internas e criando dificuldades a si própria. Sair para além deste embrulho exige muitas vezes uma visão mais distanciada, como acontece com Filipe Melo que, na sua vida profissional, reparte a BD com o cinema e a música.
Vejamos como funciona este pequeno burgo.
O Clube Português de Banda Desenhada é uma associação ligada à BD, que tem por objetivo e estudo, a promoção e divulgação da banda desenhada portuguesa em Portugal e no estrangeiro e da banda desenhada em geral no território português. Regressou à atividade, após um período de inatividade, no passado mês de Setembro, preparando-se para completar 40 anos de existência no próximo mês de Junho. Relançando a sua atividade, o Clube Português de Banda Desenhada começou naturalmente por focar as suas iniciativas em títulos e autores que caraterizaram os seus anos de maior dinâmica e que, também sem qualquer referência, constituem a maior referência do grupo de sócios que se tem mantido fiel ao Clube.
Até aqui não há qualquer surpresa.
As surpresas apareceram, ainda assim, e são duas.
Em primeiro lugar, este primeiro exercício de “contar espingardas” excedeu todas as expetativas em termos de sucesso: trabalhando ainda sem qualquer apoio financeiro (apenas com a receita das quotizações dos sócios), o Clube levou a banda desenhada à televisão, à rádio, à imprensa escrita e à Biblioteca Nacional, promovendo ainda diversas iniciativas na sua (nova) sede e na Bedeteca da Amadora. A comemoração do 80.º aniversário d’O Mosquito, por exemplo, teve um merecido reconhecimento que levantou uma autêntica onda de nostalgia em torno da BD que, noutros tempos, se lia e fazia em Portugal.
Em segundo lugar, a nova banda desenhada que se faz em Portugal, de grande valor e que tem autores e leitores à altura deste momento qualitativo, foi apanhada de surpresa, sem plano de resposta (desde o Natal) para este ressurgimento dos clássicos. Subitamente, instalou-se uma batalha pateta de “novos contra velhos”, com alguns candidatos a opinion-makers a forçar tomadas de posição, e outros tantos a defender que a ação do Clube era, afinal, contrária aos superiores interesses da BD nacional.
Quem permitiu romper a escalada do disparate e tomar o pulso da realidade da BD nacional foi, mais uma vez, o “mais simpático (e obeso) lobisomem português”: Dog Mendonça. O mais popular herói de banda desenhada dos últimos anos, surgiu e impôs-se sem qualquer preocupação de rótulo estético ou narrativo, com uma receita assente num único ingrediente principal: a qualidade. A partir desse ingrediente, trabalhou uma série de novos caminhos para a BD portuguesa, designadamente no que respeita à promoção do livro de BD (uma das áreas ainda pouco trabalhadas no panorama editorial português). No mês de Abril, a Tinta da China lançou um novo título da coleção, “Os Contos Inéditos de Dog Mendonça e Pizzaboy”, de Filipe Melo, Juan Cavia e Santiago Villa, recuperando histórias curtas publicadas nos números 4 a 7 da nova série da Dark Horse Presents, num volume oportunamente enriquecido com ilustrações de Ricardo Cabral, Filipe Andrade, Jorge Coelho e Joana Afonso. A enorme popularidade de Dog Mendonça (e o extraordinário mérito dos seus autores), permite à nova BD portuguesa respirar de alívio, e exibir um passo orgulhoso em tempos de homenagens e publicações de autores como Eduardo Teixeira Coelho, José Garcês, Artur Correia ou António Gomes de Almeida. Afinal, também há vida entre os modernos, que não estão apenas dependentes dos festivais (que muitas vezes – e nalguns casos com razão – criticam).