Apostado no grande sonho de continuar a desenhar e a viajar, Baudoin é um dos autores mais interessantes e uma das pessoas mais extraordinárias que já passaram pela Amadora em 25 anos de festival. O seu percurso é muito singular, de descoberta em descoberta e sem nunca deixar de valorizar as fases pré-descoberta, num misto de sensibilidade e disponibilidade.
Foi a escrita de banda desenhada que permitiu a Edmond Baudoin (nascido em 1942, em Nice, França) a descoberta de que gosta de escrever e contar coisas. A escola, onde era mau aluno, não lhe tinha permitido essa descoberta.
Mas Baudoin começa a fazer banda desenhada já perto dos 40 anos de idade. Até então, não era um leitor de banda desenhada, e desconhecia os clássicos. De qualquer forma, aquilo que pretende da banda desenhada é contar algo que não entrava nos códigos da BD clássica: algo ligado ao interior e ao sentimento. “O texto e o desenho podem representar algo ligado ao interior, ao pessoal”.
Todo o processo da entrada de Baudoin no universo da banda desenhada tem muito de casualidade. O então muito jovem editor Jacques Glénat, que o desafia a começar na BD, não gosta particularmente do que Baudoin lhe propõe. Surge a Futuropólis, não porque se interesse pela interioridade de Baudoin, mas porque se interessa pelo seu desenho, que é especial.
Em 1997, o livro Le Voyage vale a Baudoin o prémio de Angoulême para o melhor argumento. É um outro momento de viragem. O prémio revela-se polémico porque Baudoin era ainda visto como um desenhador. André Juillard entrega o prémio a Baudoin, dizendo-lhe que o prémio é merecido porque quando Baudoin desenha é como se escrevesse, e quando escreve é como se desenhasse. E de facto, para Edmond Baudoin, a fluidez do trabalho assenta nisso. Foi algo que sentiu muito particularmente quando trabalhava para o Japão, e lhe era exigido um ritmo de 5 ou 6 pranchas por dia, o que aproxima o desenho da escrita.
No seu processo de aprendizagem da banda desenhada, Baudoin destaca algumas das pessoas que colaboraram consigo na realização de obras de BD, como Jacques Lob e Frank (com quem aprende a “gramática da BD clássica”) e Fred Vargas (ainda que com Vargas a colaboração fosse diferente, já que o trabalho de adaptação do texto à BD fosse de Baudoin).
Os japoneses também foram muito importantes. O facto de a leitura ser no sentido inverso do sentido ocidental põe em causa toda a lógica clássica. Por influência japonesa, Baudoin passa a admitir todos os sentidos de leitura. Do Japão, um dos aspetos que mais o surpreende é que não lhe definiam qualquer limite de número de páginas. Limitavam-se a outro tipo de indicações: não devia apresentar mais de dois balões por vinheta, a personagem que fala deve estar presente, e não devia apresentar cartuchos (ou legendas). Sem limite de páginas e sem cartuchos, Baudoin passa a recorrer ao desenho para a caraterização psicológica das personagens.
O que move Edmond Baudoin é uma interrogação constante. Baudoin exemplifica com a interrogação sobre o retrato, presente nos recentes trabalhos sobre o México e a Colômbia: “O retrato permite parar as pessoas em vez de passar por elas. E por lugares. Permite captar o ser humano, o ser de interioridade. Quem é a pessoa, quem são os outros. A questão do retrato é sobretudo colocada pelos pintores e fotógrafos. Os autores de BD não a colocam. São ainda muito prisioneiros da BD que havia antes deles.”
Embora a interrogação de Baudoin vá muitas vezes ao encontro do pessoal e da interioridade, o autor assume uma perspetiva universal quando aborda o sentimento. “É um universo literário”. Mas é um universo desenvolvido de forma desigual. Para Baudoin, a banda desenhada europeia tem, ao nível das possibilidades narrativas, algum atraso relativamente aos japoneses e norte-americanos: “A BD é um meio extraordinário para contar os sentimentos. Estou no princípio do que pode ser dito.”