Enquanto género literário, a Fantasia está muito em voga e que encontra múltiplos meios de divulgação literária e gráfica. Quanto à Ficção Científica, meios que por cá a estimulem são notoriamente raros, e quanto a história alternativa nem se fala. Que eu saiba só há dois ou três livros de ficção fantástica que tocam nesse tema, e nenhum é de banda desenhada. A temática é por isto ambiciosa e abrangente, e assinale-se que a publicação se revê no espaço da lusofonia, conferindo-lhe ainda mais ambição.
Haverá espaço para mais uma publicação deste tipo, num país onde este tipo de culturas é um nicho reduzido? Claro, e é bem vinda. Espaços que permitam às novas vozes expôr-se, afirmar-se e desenvolver os seus estilos gráficos são sempre necessários, e esperemos que ao atrever-se a desafiar as convenções do meio, centradas no fantástico mais fantasista ou no experimentalismo artístico, desafiem os novos talentos a apostar na FC e história alternativa… ou a sair do armário e assumirem-se como apaixonados por estes géneros literários.
Posto isto, que tal a leitura da primeira edição? Muito razoável, diria. Note-se que são vozes novas, por isso literária e graficamente muito verdes. Sublinho que é essa a grande virtude deste género de edições. Todos temos de começar por algum lado, e a partir daí evoluir. Nota-se que grande parte dos trabalhos aqui publicados estão a um nível incipente, mas prometedor.
Destacaria, como pontos altos deste número, as histórias O Relojoeiro, Novas Instalações, Vidas Reais – O Início do Fim, Evento 1993 e O Festival. São as claramente mais maduras, quer em termos gráficos quer narrativos. A primeira não surpreende quem conhece o trabalho de Carlos Silva, já veterano de antologias da editora Saída de Emergência e força motriz por detrás do projecto Imaginauta e das aventuras Space Opera do Comandante Serralves. A ilustração a cargo de Filipe Duarte e Nádia Carmo sublinha o lado clockpunk do argumento.
Novas Instalações tem uma estética soberba, com o trabalho gráfico de Pedro Ferreira a encantar com a sua visão das ruas de Lisboa. Vidas Reais também se destaca pelo lado gráfico, a cargo de Alberto Pessoa e Alexandre Câmara. É também o grafismo de Paulo Vicente e Francisco Boavida que chama a atenção em Evento 1993.
O estilo mangá evidenciado em O Festival está muito bem conseguido, sendo esta história outro dos pontos altos narrativos. É curioso como Mitsu, que assina individualmente a ilustração desta história, tenha um estilo gráfico que colorido por outros não resulte bem, mas que é muito bom em registo mangá. E, quase me ia esquecendo. Com um grafismo muito expressivo de José Pistilli, Loteria tem no argumento de Angelo Dias uma excelente e bem tratada premissa de ficção científica. As restantes histórias têm níveis variáveis de qualidade, notando-se que são primeiros esforços de autores muito novos.
A revista não se fica pelas histórias de banda desenhada. Arranca com uma entrevista com o ilustrador Paul Pope, algo invejável para uma publicação destas. A ilustração, refira-se, é outro ponto forte desta revista que contra com pequenos mas sumarentos portfolios de Dina Barbosa, João Raz e do pintor Paul Neberra. Nota-se alguma assimetria quando comparamos a maturidade gráfica destes trabalhos com o nível de ilustração das histórias de banda desenhada, mas isso é expectável num Ezine. O trabalho de Neberra é uma excelente surpresa. Não desconfiava que por cá houvessem artistas a dedicar-se ao Surrealismo Pop, com um estilo que denota forte influência estética de Todd Schorr.
E se pensam que a revista fica por aqui, ainda nos reserva uma divertida fanfiction serializada de Conan, O Bárbaro, escrita por Paulo Gomes com ilustrações de Paulo Vicente e Nelson Mota.
Diria que o saldo final desta primeira edição da H-alt é muito positivo. Traz aos leitores um conjunto heterogéneo de histórias e ilustrações, equilibrando alguns nomes mais maduros com muitos desconhecidos prometedores. Focaliza-se em géneros literários pouco explorados por cá, e pretende abrir-se ao espaço da lusofonia.
A Revista H-alt #01 está disponível no Issuu, apesar de na minha opinião pessoal a usabilidade típica desta plataforma de publicação não ser a mais adequada a este género de fanzines. Estas questões da usabilidade e formatos gráficos de uma publicação digital conceptualmente ainda muito presa à tradição do papel levam a questionar se este tipo de ezines poderia apostar mais nas possibilidades gráficas trazidas pelas tecnologias web. Mas a H-alt está pensada para uma possível edição em papel, o que justifica o formato. Para quem criar conta no Issuu há a possibilidade de descarga de PDF.
Foi um prazer poder mostrar o meu trabalho neste projecto. Parabéns ao Sergio Santos. Obrigado pelos comentários, fiquei obviamente bastante contente. A H-alt 2 já está a ser pensada.
Apesar de contente com a analise, acho que ela foi um bocado injusta em comparar a qualidade dos mini portfolios dos ilustradores com a das bds – já que as primeiras não são apenas o melhor que o autor tem a mostrar, são um trabalho único e com muito mais tempo de execução, enquanto que as bds tiveram de obedecer a prazos, a consistência, etc
Talvez. Mas a mim, como leitor, me pareceu é que os ilustradores destacados em mini-portfolio são mais experientes do que os ilustradores das bandas desenhadas publicadas, muitos dos quais me pareceram algo incipientes. Mas sublinho que não vem daí mal ao mundo. Tem de se começar por qualquer lado, e ninguém faz obras primas quando se inicia.