Em 1985, a banda desenhada franco-belga estava mergulhada em mais uma crise. Dizia-se que faltavam argumentistas à altura da geração de talentosos desenhadores que dominava o mercado, e lamentava-se o fim da banda desenhada infanto-juvenil. A banda desenhada franco-belga tornara-se demasiado reflexiva e auto-crítica, fechando-se progressivamente sobre si própria.
A banda desenhada norte-americana, embora estivesse a descobrir a condição do autor, continuava mergulhada na profunda crise de ideias que vinha da década de setenta. Só no ano seguinte, “Maus”, “The Dark Knight Returns” e “Watchmen” mudariam este estado de coisas. A banda desenhada japonesa (‘mangá’) ainda não tinha expressão no Ocidente. Em Portugal a banda desenhada tinha-se tornado, sobretudo, numa área especializada do género histórico-documental.
Em 1985, os grandes sinais de vitalidade no domínio da ficção vinham de Espanha e de Itália. Não é pois de estranhar que quem não se identificava com a banda desenhada histórico-documental viesse a encontrar alguma fonte de inspiração nas novas correntes espanholas. “Jim del Monaco”, a personagem que a dupla Louro & Simões apresenta ao público português em Novembro de 1985 reflecte essas novas tendências de Espanha, em particular o estilo gráfico de Mique Beltran e Daniel Torres. Mas o segredo do sucesso da série – a que não é alheio o contributo de Tozé Simões – está em conciliar esta nova linha muito actual com uma continuidade em relação aos clássicos.
Com efeito, é uma continuidade que se revela tanto no domínio gráfico (a partir da referência de Fernando Bento), quanto no domínio temático (com a nostalgia da grande aventura que sempre ocupara as páginas das revistas de BD portuguesas: do “Jim das Selvas” de Alex Raymond, ao “Mandrake” ou “Fantasma” de Lee Falk, passando pelos grandes clássicos europeus do género publicados pela revista ‘Tintin’). “Jim del Mónaco” vai ao encontro dos desejos dos leitores da altura, e torna-se num fenómeno de popularidade. De tal maneira que a editora Asa experimenta a transição da série para o domínio da cor, uma opção que parecia reservada aos grandes clássicos da BD (apostas editoriais mais seguras). Também a cores, a série é um sucesso, levando à reedição colorida dos álbuns inicialmente publicados a preto e branco.
De resto, a transição de Luís Louro para o universo da côr dera-se pouco tempo antes, com uma outra série: “Roques e Folque”. De novo em colaboração com Tozé Simões, a série é mais um sucesso junto da crítica e do grande público, tendo sido publicados três álbuns (todos distinguidos com o Troféu ‘Ô Mosquito’ para a categoria do “Melhor Álbum”). Luís Louro retém esta série sobretudo como um passo de experimentação, entre a fórmula de “Jim del Mónaco” e a passagem para a obra de autor
Em 1997, a apresentação do álbum “Coração de Papel” no AmadoraBD foi feita por Tozé Simões, que teve oportunidade de falar sobre o final da dupla Louro & Simões. O argumentista desmistificou, afirmando que o normal desenvolvimento da sua vida lhe deixou menos tempo para se dedicar à BD, ao mesmo tempo que pretendia “tirar um tempo” da banda desenhada, e sabia que Louro procurava mais alguma liberdade. Ainda assim, Simões dizia já em 1997 estar disponível para retomar a parceria, se surgisse a oportunidade.
E, depois de algumas histórias curtas de Cogito Ego Sum, a oportunidade surge agora em 2015, comemorando o 30.º aniversário de Jim del Mónaco. Em comentário na página do Facebook do aCalopsia, Tozé Simões explica que este regresso é “antes de mais um regresso de uma velha e cúmplice amizade profunda, de duas pessoas que se conhecem bem e sabem como cada um pensa e o que quer fazer. Reencontrar esta maneira de colaborar livre e parvamente tem sido um gozo bestial, sobretudo por percebermos que ainda nos conseguimos equilibrar e andar nesta “bicicleta”, apesar da provecta idade que já temos (por junto dá um século). Se ainda temos o toque, só os leitores de Jim Del Monaco o poderão dizer e oxalá tenham essa oportunidade.”
Independentemente de ainda terem o toque, conservam parte do segredo, ligado ao esbatimento da fronteira entre o que cada um faz: “a nossa colaboração é e sempre foi muito permutável – tão depressa o Luís altera o argumento como eu sugiro “outras pinceladas” (embora eu não desenhe melhor que uma criança de 3 anos). O importante para nós sempre foi o resultado final.”
Esta viagem ao passado da dupla Louro & Simões faz-me pensar que o “Rolques e Folques” merece ser revisitado. É uma série que apontava um caminho “novo” para explorar a história de Portugal.