Murena Vol. 09: Espinhos

Uma crítica por Bruno Campos

“Espinhos” é o nono volume da série Murena, marca o início do Ciclo da Morte. Num álbum que marca o início da reconstrução de Roma por Nero, o tema central é a redenção, não a de Nero mas de outros personagens.

A redenção de Lúcio Murena, personagem que dá  o nome à série que começa a reconstruir o sua vida. Contudo,  é impelido a assumir a sua culpa, quando começa a ter motivos para se apegar à vida (e a Cláudia) opta por assumir as suas acções colocando em causa o seu futuro.

É a redenção de Pedro, nascido Simão Cefas, o primeiro apóstolo que negou Cristo três vezes.  O cristianismo que tinha estado presente ao longo da série (de modo superficial) ganha destaque quando  a narrativa de Murena começa a retratar o início da perseguição aos Cristãos, que nesta época eram um seita judaica que tinha sido tolerada pelos romanos  mas, que fruto do incêndio de Roma se tornam no bode expiatório para satisfazer a populaça.

O Cristianismo que Dufaux e Delaby retratam não é o Cristianismo dos santos, mas dos crentes. Dos homens vulgares cuja fé os leva a sacrificarem-se pela crença num ser superior.  Não existem milagres, só homens, as suas acções e repercussões.

O Pedro de “Murena”, não é um santo, mas um homem, atormentado pelo culpa de ter negado a  Cristo 3 vezes. É essa culpa que o impele e motiva, levando à expiação que lhe permite a redenção.

Sem fazer a apologia do cristianismo (que não deve ser confundido com o catolicismo) Drufaux incorpora elementos míticos e factuais dos primeiros dias dessa religião em Murena, assim como o faz com outros elementos factuais, míticos ou fictícios. Curiosamente este destaque ao Cristianismo é realizado no álbum que foi censurado em duas pranchas devido ao teor sexual. As duas pranchas que foram censuradas acabam por não afectar a narrativa mas deixam de fora um elemento que Drufaux pretendia explorar: a sexualidade na sociedade romana.  A ausência deixa esse tema só implícito. Em França será edita uma edição não censurada enriquecida com um anexo sobre a sexualidade romana, escrito por Claude Aziza, um dos principais especialistas em tempos antigos.

Esta censura de que o álbum foi vítima impede que se possa desfrutar do trabalho de Drufaux e Delaby, mas não deixa de ser lamentável que o sexo  continue a ser mais ofensivo que a violência, com a qual os editores e público em geral não têm qualquer problema.

A arte de Delaby em “Espinhos” é prejudicada por Sebastien Gerard, que substitui Jerémi Petiqueux.  Gerard prefere utilizar tons mais escuros, do que Petiqueux, o que acabo por obscurecer o traço de Delaby fazendo que seja difícil de de perceber alguns detalhes de um desenho minucioso,  realizado com um traço fino que se perde. É um pormenor que precisa de ser revisto pelo colorista que acaba por tapar, literalmente, o traço do desenhista em algumas situações.

Drufaux continua a ser exímio no modo como equilibra os diversos fios narrativos sendo capaz de dar tempo de cena a todos os personagens sem que a história se torne confusa, ou, sequer se perca em múltiplas temáticas.  Existe um tema claro no álbum: a redenção, todos os fios narrativos são construídas em torno desse tema central, existindo depois as diversas histórias secundárias que continuam a desenvolver-se.  O trabalho de Drufaux em Murena é muito bom e convida à descoberta de outros trabalhos do argumentista, que não sendo um autor novo, acaba por ser (pelo menos para mim) a grande revelação de Murena.

Drufaux cria um fresco histórico que não se limita a explorar um filão rentável, a Roma Antiga, mas que demonstra o motivo porque essa época continua a exercer um fascínio no mundo moderno, seja nos historiadores ou no publico em geral que continua a consumir de modo ávido ficção ambientada nessa época. Ficção, histórica, da qual Murena é um dos melhores exemplos que existem nas bancas.

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