Feira do Livro?

Com este mesmo título “Feira do Livro?”, escrevi o seguinte artigo publicado em 23 de Setembro de 2004 no jornal regional Notícias da Amadora.

“Inserida nos festejos da cidade, a Feira do Livro da Amadora é bem o retrato de uma cidade que não é particularmente conhecida pela sua ligação à leitura e ao livro, ainda que promova anualmente o maior festival português (e um dos mais importantes a nível mundial) de banda desenhada, o FIBDA.

Numa cidade com uma única livraria para cerca de duzentos mil habitantes, a Feira do Livro poderia ser um espaço privilegiado de contacto com o mercado editorial. Não é.

Falo de uma Feira que não está a rivalizar directamente com os desvios do orçamento familiar para o Rock-in-Rio ou o Euro, ou com a dinâmica agressiva das FNACs e outros espaços, como aconteceu com a de Lisboa.

De ano para ano, há mais Feirarte (evento paralelo de gastronomia e artesanato tradicionais de diversas regiões do país) e menos Feira do Livro. Dos poucos livros que resistem, temos um espaço crescente para alfarrabistas, e a resistência heróica dos livros de bolso. A Feira do Livro da Amadora é cada vez mais a feira do livro antigo e de ocasião. Tudo o mais entra no domínio das excepções que confirmam a regra.

Esta realidade não é específica do mercado livreiro: é uma realidade específica da Amadora, que também se sente (ou sentiu) em domínios como o vestuário ou o calçado.

Que papel é deixado ao livro de banda desenhada na Feira do Livro da Amadora (“capital portuguesa da BD”)? Há um stand quase exclusivamente dedicado à banda desenhada (protagonizado pela Meribérica, mas onde estão representadas outras editoras, como a Devir), e há uma presença sólida noutros stands de editores (Verbo, Gradiva) e livreiros. Para alguns editores (caso das Edições Asa), a aposta será para o FIBDA. Se considerarmos o reduzido número de stands que integram a Feira, a presença da banda desenhada até poderá ser significativa. Mas a ideia que fica é que na Feira do Livro está a banda desenhada que não foi convidada para a festa do livro de BD no FIBDA: a banda desenhada aparece na Feira do Livro da Amadora vestida de algo que não é para ser folheado, admirado, comentado ou participado, mas como algo que — pura e simplesmente — poderá ser comprado. É outra realidade específica da Amadora.

Tem-se presente a actuação da Bedeteca de Lisboa na Feira do Livro da capital, e questiona-se se o Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem da Amadora não deveria ter qualquer tipo de intervenção numa Feira do Livro que se realiza cerca de mês e meio antes do FIBDA. Eventualmente, com um stand com as suas edições à semelhança do stand que habitualmente tem no FIBDA, assegurando ainda a presença de um ou outro autor. Se calhar, era esta a forma de melhor divulgar o FIBDA, de assegurar a venda das edições do Centro para além do público (e local) do Festival, de continuar a afirmar o protagonismo da Amadora no que respeita à celebração do livro de banda desenhada, e, sobretudo, de dinamizar uma Feira do Livro que não corresponde minimamente à dimensão da cidade.”

Dez anos depois, enquanto decorre (até 21 de Setembro, no Parque Delfim Guimarães) a 34ª edição da Feira do livro da Amadora, é quase tudo ainda verdade. Desapareceu o stand da Meribérica, existindo hoje um stand da Âncora, e o FIBDA passou a chamar-se AmadoraBD, mas o cenário é o descrito em 2004 (com menos stands).

A oposição ao executivo camarário começa agora a utilizar o atual estado da feira como arma política (fazendo notar que a terceira maior feira do livro do país está hoje transformada numa “feirinha de alfarrabistas, aninhada a um canto do parque”). O executivo poderia responder à oposição com o projeto da cidade em torno da banda desenhada, e a banda desenhada poderia revitalizar a feira. Mas isto não acontece.

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