Segunda parte de um “balanço” da Comic Con Portugal 2014, onde em que falamos com alguns dos autores e expositores (livreiros, editores) presentes na primeira edição do evento na Exponor.
As perguntas realizadas foram quatro:
- Quais eram as tuas expectativas para o evento e de que forma foram concretizadas?
- Como correram as tuas vendas?
- No teu entender, existem aspectos a melhorar no evento?
- Quais são as tuas expectativas para a próxima edição?
Pedro Pereira, El Pep
Mais conhecido como Pepedelrey, Pedro Pereira é autor de BD, editor da El Pep que e também um loja e galeria localizada no Imaviz Underground (Centro Comercial Imaviz) para além de ser membro do The Lisbon Studio, colectivo de vários autores portugueses de ilustração e banda desenhada. Os seus projectos podem ser acompanhados através do blog Edições El Pep e da página de Facebook. Pedro esteve presente na Comic Con Portugal como autor e editor da El Pep na Artists’ Alley juntamente com os seus colegas do colectivo The Lisbon Studio.
[dropcap]1[/dropcap] As minhas expectativas desde o inicio foram: a criação de um espaço/evento dedicado também à banda desenhada, sustentado por um ou mais investimento privado. Criando assim um verdadeiro mercado em Portugal, sem os recursos castradores vindos do estado, sejam eles entidades locais ou centrais.
Como é mais que óbvio, as minhas expectativas foram concretizadas. A Comic Con Portugal teve um resultado positivo acima do desejado pela organização. O público, embora motivado pela presença de actrizes e actores de séries de culto, compareceu em força, circulando não só pelos espaços do seu agrado e/ou do seu conhecimento mas indo curiosos, aos outros locais.
[dropcap]2[/dropcap] As vendas da El Pep foram positivas.[spacer size=”25″]
[dropcap]3[/dropcap] Sim, como é lógico numa primeira edição, nem tudo terá funcionado a 100%, sendo o aspecto grave a grave falha da parte da Exponor para as áreas da restauração.
[dropcap]4[/dropcap] Acredito que vai elevar ainda mais os padrões de qualidade e comerciais.[spacer size=”25″]
Ricardo Venâncio, autor
Ricardo é storyboarder e ilustrador tendo participado em diversas antologias de BD – kaBOOMbox vol.1, Racconti Indiani e Apocalypse Tarot da Passenger Press, Crumbs da Kingpin Books – além de ser ilustrador tendo já colaborado com a Criterion Collection onde ilustrou a capa de Zatoichi’s Flashing Sword. A sua obra pode ser acompanhada aqui. Ricardo participou na Comic Con Portugal na qualidade de artista tendo uma banca na Artists’ Alley juntamente com os ex-colegas do The Lisbon Studio e esteve presente no stand da Kingpin Books para autógrafos.
[dropcap]1[/dropcap] À partida para a convenção, estava curioso em perceber como é que um modelo destes seria recebido pelo público português. Acho que não estamos habituados a um evento envolvendo BD que seja tão directo na abordagem ao público e ao aspecto comercial da indústria em que nos inserimos.
Mais concretamente, queria ver como corriam as coisas no Beco dos Artistas, que foi uma experiência que já tive noutros mercados e que eu aprecio particularmente por ser uma maneira excelente de criadores interagirem directamente com leitores do presente e potenciais leitores do futuro. Não há os filtros ou distanciamentos que existem nos lançamentos ou nas sessões de autógrafos nos stands das editoras, que têm o seu valor noutras vertentes.
Este modelo de ter autores com a possibilidade de estabelecerem mini-negócios, ajuda cada um, com maior ou menor experiência, a pensar como abordar o público, que imagem projecta cá para fora, que tipo de trabalho tem maior ou menor aceitação, e como diversificar a sua oferta, o que hoje em dia é cada vez mais importante, uma vez que domesticamente, e mesmo lá fora, o retorno financeiro no que toca a BD é claramente insuficiente, para não dizer quase inexistente.
E, queiramos quer não, este meio tem que ter tanto de Arte como de negócio, ou não vai evoluir para lado nenhum.
Nesse aspecto, esta edição confirmou-me várias ideias que tinha há anos. Nunca vi tanto público num evento deste tipo, em Portugal, como vi na Comic Con, sendo ou não impulsionada prioritariamente por vedetas de TV ou pelo Cosplay. Na minha opinião, o que interessa é chegar a um público cada vez maior, não me importa tanto como se chega a esse público.
No Sábado, que foi o dia com mais público, estar ali ou estar na Comic Con de Nova Iorque ou no Festival de Lucca era praticamente a mesma coisa, com a mais valia de poder estar a falar Português com quem passava na minha mesa.
E isso é o maior elogio que posso fazer ao fim de semana e à organização. Acho que há anos que se espera por uma razão para juntar vários públicos num evento deste tipo e a BD portuguesa só tem a lucrar com isso, se tiver a consciência de que tem que pensar para fora do seu público típico e não fechar-se constantemente, com o tem acontecido nos últimos anos.
Não quero dizer com isto que este modelo é infalível e que tem que ser emulado por todos daqui para a frente, todos os outros festivais e eventos relacionados com BD têm a sua razão de ser e o seu contexto, mas fazia falta um evento como este em Portugal.
Se tudo correr bem daqui para a frente e houver algumas lições a tirar de ano para ano, acho que a Comic Con complementará muito bem tudo o que se fizer nos eventos já existentes.
[dropcap]2[/dropcap] Melhor do que eu esperava. Eu não sabia até que ponto o público português ia aderir a este tipo de “feira de autores”, mas eu e toda a gente com quem falei ficámos surpreendidos com as vendas e a disposição do público em encontrar coisas novas, de autores portugueses, de comprar, de saber como se faz, onde se pode encontrar, que planos cada um tinha para o futuro, etc.
Sem querer entrar num “rant”, eu venho dizendo há anos para quem me quer ouvir no meu círculo mais chegado de amigos e colegas que existe um público e um mercado aí fora de pessoas que só não se interessam porque as coisas não lhes chega às mãos. E a Comic Con, se não conseguiu fazer mais, pelo menos reforçou-me essa ideia.
Acho que já começámos a mostrar que temos talento para dar e vender, começamos a ver que temos público à espera de nos descobrir, só precisamos dos elos de ligação a funcionar e a expandir o alcance do que se pode produzir por cá, seja para vender dentro de portas, seja fora.
Este fim de semana acho que demos um grande passo nessa direcção.
[dropcap]3[/dropcap] Claro que existem [aspectos que podem ser melhorados], foi a primeira edição. Eu não conheço primeiras edições infalíveis.
Eu estive em Lucca este ano, um evento mais antigo que o AmadoraBD em quase 20 anos, e no Sábado, era impossível andar pelas ruas da vila, impossível encontrar fosse o que fosse para comer sem filas intermináveis, impossível encontrar um WC sem esperar 20 minutos, por isso, como é que eu posso pedir a uma organização estreante que tenha um evento sem máculas?
Organizações destas são complicadíssimas, muitas vezes não dependem só de quem gere, e, sem termos de comparação no que toca a anos anteriores, é praticamente impossível prever exactamente como tudo vai correr. Mas mesmo em eventos mais antigos, acontecem filas e atrasos.
As adaptações e lições a tirar, tiram-se agora, para quem organiza e para quem visita.
Espero que a convenção se mantenha por anos suficientes para que essas lições [sirvam ] para que todos se habituem a planear com antecedência uma viagem anual a Matosinhos, tal como o fazem para ir lá fora.
[dropcap]4[/dropcap] Pessoalmente, quero ver um Beco dos Artistas com o dobro do tamanho, pelo menos. Quero que todos os criadores que não quiseram ou não puderam arriscar no ano de estreia, que se decidam a participar e a mostrar o que se faz por cá para um público que quer descobrir coisas novas.
Quero descobrir autores novos, editados, por editar, com livros, webcomics, o que tiverem. Quero conhecer novos potenciais leitores e fazê-los querer saber mais sobre o meu trabalho e sobre o trabalho dos meus colegas lá presentes.
Quero conhecer criadores de fora, aprender processos diferentes, maneiras novas de abordar o meio e o trabalho em si.
Se possível, quero que o evento cresça e volte a ter problemas de filas, porque isso significa que as previsões mais optimistas voltaram a ser ultrapassadas e o público potencial é ainda maior do que suspeitamos.
E tirar daí novas lições.
Mário Freitas, Kingpin Books
Mário Freitas é autor de BD, director do festival AniComics, editor da Kingpin Books e também tem um loja especializada em banda desenhada com o mesmo nome. Mário participou na Comic Con Portugal como moderador de alguns painéis relacionados com banda desenhada e como expositor na zona comercial.
[dropcap]1[/dropcap] Estava expectante, passe o pleonasmo. Tinha a noção que poderia vir a ser o sucesso que foi, mas havia um risco claro de poder ser um flop, dados os soluços e avanços e recuos organizativos e a difusão tardia do programa completo.
[dropcap]2[/dropcap] Mutíssimo boas. Este ano ainda não pus a carne toda no assador, pelas cautelas que se impunham face ao que disse antes, mas para o ano a aposta será ainda maior, porque já será feita com dados consistentes.
[dropcap]3[/dropcap] Vários, sobretudo em tudo o que concerne um planeamento e organização muito mais atempados. De qualquer forma, a Comic Con conquistou claramente a batalha inicial: a da adesão do público e da quantidade. Urge agora trabalhar a batalha dos vários incrementos de qualidade, de forma a consolidar e fazer crescer ainda mais o evento.
[dropcap]4[/dropcap] Organização mais afinada, como já aludi atrás; um site mais profissional e melhor estruturado; mais autores de BD e vedetas de filmes e TV; melhor planeamento, ocupação e utilização do espaço da Exponor; maior destaque e divulgação dos expositores realmente relevantes e que fazem a diferença pelo valor acrescentado que podem trazer ao evento.