A Propósito da Peregrinação

A conferência realizada no passado dia 19 de Dezembro, na nova sede do Clube Português de Banda Desenhada, com José Ruy, a propósito da adaptação à BD da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, foi de grande interesse.

O facto de estar a dirigir-se a um público com algum conhecimento da matéria em causa permitiu a José Ruy abordar uma série de questões mais técnicas e de grande interesse no contexto da história da banda desenhada portuguesa.

Num exemplo de um aspecto de ordem técnica, José Ruy explicou que na altura em que foi publicada a primeira versão em banda desenhada no Cavaleiro Andante, na década de 1950, sentia, enquanto autor, alguma resistência na introdução do balão, por considerar que o balão podia perturbar a composição da imagem (composição essa que, explicou também José Ruy, seguia o ensinamento de mestres como Milton Caniff). Nesta medida, optava pelas didascálias inseridas sob as imagens.

Essa resistência foi vencida na segunda versão da adaptação, na medida em que José Ruy – para além de compreender que o balão favorecia uma leitura mais integrada do texto e da imagem – passou a entender que o balão também podia ser um elemento da composição. Ou seja, a introdução do balão, feita pelo próprio desenhador e pensada desde o momento inicial da construção da vinheta, faz parte integrante da composição da vinheta e da prancha de BD.

Autores como o norte-americano Frank Miller (cuja linha de influências também vai dar a Milton Caniff) notabilizaram-se na utilização do balão ou da legenda como elemento da composição, não sendo de todo indiferente nem o local onde se apresenta, nem a forma como se apresenta o texto: Miller decompõe falas em diferentes balões ou legendas, acentuando a leitura de determinadas palavras.

Um outro exemplo seria o singular processo de introdução da cor, mas que exige um detalhe superior à dimensão desta crónica.

No contexto da história da banda desenhada portuguesa, José Ruy abordou, por exemplo, o final da revista Spirou portuguesa (na altura em que publicava a Peregrinação), e o plano idealizado por Diniz Machado para prevenir o idêntico (e esperado) colapso da revista Tintin, pela mesma razão da impossibilidade de pagamento atempado de direitos, por limitações de saída de divisas impostas pelo banco de Portugal. Tal plano, que não chegou a concretizar-se, consistia em substituir a revista Tintin por uma “Clique & Flash” (heróis desenhados por José Ruy que já iam aparecendo na Tintin) que teria apenas colaboração portuguesa, mas que apostaria na manutenção dos mesmos leitores e assinantes.

A próxima conferência destacando uma obra, está prevista para o âmbito da comemoração do 80.º aniversário de O Mosquito, e a obra em destaque será Os Doze de Inglaterra, na adaptação à banda desenhada de Eduardo Teixeira Coelho e Raul Correia, que será reeditada em álbum pela Gradiva. Em preparação dessa conferência, recomendo a leitura da série de artigos publicados pelo professor António Martinó no blogue Largo dos Correios, sobre Os Doze de Inglaterra e a sua publicação original n’O Mosquito.

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