No passado dia 18 de Agosto, a revista Mundo de Aventuras celebrou o seu 65º aniversário, tendo sido publicado no Jornal de Notícias um artigo referente à efeméride, que se encontrava on-line no blog As Leituras do Pedro.
Esse número inaugural, dirigido por Mário Aguiar, proprietário da Agência Portuguesa de Revistas, distinguia-se desde logo pelo seu formato, um tablóide generoso, superior aos jornais actuais, e pela capa e contracapa em quadricromia. Tinha 12 páginas e custava 1$50.
O seu conteúdo definia já o que seria a sua orientação – embora com algumas oscilações naturais – ao longo de quase quatro décadas: um olhar especial para a produção portuguesa, representada por João dos Mares, de Carlos Alberto Santos, e predominância de heróis norte-americanos – nove séries em dez, entre as quais Steve Canyon, Rip Kirby, Johnny Hazard e Flash Gordon. Eram histórias “aos quadrados”, lia-se no editorial, “apresentadas ao mesmo tempo das revistas americanas e inglesas do género”. Talvez por isso, todas começavam a meio!
Ao longo de 48 anos o Mundo de Aventuras foi uma das publicações de referência da banda desenhada nacional, o seu último número foi edita em 15 de Janeiro de 1987, tendo partido sem deixar descendência, tal como as suas contemporâneas.
Existe um facto curioso, quer o Mundo de Aventuras quer as restantes revistas infanto-juvenis portuguesas publicavam na suas maioria história onde figuravam heróis, onde existia um protagonista que ia surgindo em diversas histórias, contudo não surgiu nessas páginas nenhum herói (ou personagem recorrente) de origem nacional. Ou melhor, não surgiu nenhum que singrasse e protagoniza-se vários episódios, tendo por parte do público um aceitação que justificasse a sua existência em outros formatos.
Apesar de tudo, pelas páginas desta revista (como de outras) vários autores portugueses, para além dos “clássicos”, sendo possível encontrar em alguns números jovens autores que nunca o deixaram de o ser, por nunca terem amadurecido. Mas isso já é outro tópico que foi ligeiramente abordado por aqui.
Por agora sugiro a leitura do artigo do Pedro Cleto, que faz um pequeno resumo do que foi a vida de “O Mundo de Aventuras” ao longo de 48 anos.
Actualização: No suplemento “Domingo”, de 24 de Agosto, do Correio da Manhã foi publicado um artigo sobre a revista Mundo de Aventuras, da autoria de Leonardo Ralha. Existe um OCR desse artigo no Kuentro.
Quando nasceu, com 12 páginas por um escudo e meio, O Mundo de Aventuras concorria com O Mosquito e O Diabrete, mas foi uma ‘pedrada no charco’ a marcar a diferença. “Naquela altura, as revistas portuguesas estavam muito antiquadas” refere o arquitecto e especialista em banda desenhada Leonardo De Sá, apontando inovações: “As histórias americanas de aventuras agarravam a juventude, até porque tinham a dinâmica dos balões de diálogos, em vez do texto a aparecer abaixo das vinhetas.”
Não deixa de ser curioso ver o Mundo de Aventuras a ser apontado como “moderno”…. mas o mais relevante no artigo acaba por ser um relato de quem esteve ligado ao destino da publicação nas suas décadas finais.
Aos últimos anos do Mundo de Aventuras ficou umbilicalmente ligado Jorge Magalhães, cujo entusiasmo pela banda desenhada o levara a assinar a revista em Porto Aboím, onde trabalhava no Instituto do Café, que fora transferido para Angola por decreto do ex-ministro do Ultramar Adriano Moreira. Era a forma de a conseguir ler sem os seis meses de atraso habituais que as sobras de cada número demoravam a chegar à então província ultramarina.
Aproveitando uma licença graciosa de seis meses, que os funcionários públicos no Ultramar podiam gozar de quatro em quatro anos, entrou nos escritórios da Agência Portuguesa de Revistas no verão de 1973, recomendado por Vasco Granja, então diretor da revista Tintim Não era a primeira vez que o fazia. “Em 1959, ainda era menino e moço, mas já gostava de escrever, fui à redação do Mundo de Aventuras, em Campo de Ourique, e mostrei alguns dos meus contos de aventuras a José de Oliveira Cosme” recorda à Domingo o homem de 76 anos que foi o responsável pela revista até ao fim, quando ainda tinha uma tiragem de dez mil exemplares
Estando Jorge Magalhães sem nada para fazer, começou a realizar traduções. “Eram pagas por ba-lão, à terça-feira, e não era mau” recorda. Chegou a ter passagem para Angola, onde deixara “a livralhada encaixotada”, pois tinha em vista a transferência para o Lobito. Deu-se o 25 de Abril e ficou com um lugar de revisor, que depressa acumulou com o de coordenador editorial do Mundo de Aventuras.
“Pedi logo o mapa de vendas, para ver quais eram os heróis que vendiam mais”, recorda. Não teve surpresas: Mandrake, O Fantasma, Flash Gordon e Rip Kirby eram garantia de es¬coamento da tiragem, então nos 25 mil exemplares. Nos tempos do PREC escapou às pressões, mesmo ouvindo protestos contra o “colonialismo” de Tarzan ou o “imperialismo” de Johnny Hazard. “Os heróis mais contestados foram deixados à sombra dos outros” comenta.
Revitalizar a revista envolveu introduzir novos heróis, recuperar talentos (incluindo José Baptista e Augusto Trigo), e encontrar colaboradores, como Artur Varatojo e o Sete de Espadas, grande dinamizador da secção Policiário cujos encontros juntavam centenas de leitores em várias partes do País.
O declínio começou nos anos 80, por “má gestão empresarial” após a morte prematura de António Dias, em 1976. Pouco antes, convencera-o a aprovar um número especial de Natal, “pois tinha um trunfo na manga” que era a predileção do ad¬ministrador pelas histórias do Príncipe Valente.
“No final era desolador ver aquela casa a afundar-se” lamenta Jorge Magalhães, que só saiu quando a Agência Portuguesa de Revistas fechou portas. Uma nova administração ainda a tentou recuperar, mas o Mundo de Aventuras e outras publicações, já só vivem nas memórias de quem os leu.
Jorge Magalhães continuaria ligado à BD, quer como autor quer como editor, e actualmente vai escrevendo sobre BD no blog O Gato Alfarrabista, onde estão disponíveis os scans dos dois artigos.
Caro Bruno,
Só agora tive oportunidade de ler este seu post sobre o aniversário do “Mundo de Aventuras”, e cumpre-me agradecer-lhe as referências que me fez, a propósito do artigo publicado no suplemento “Domingo” do Correio da Manhã. Não costumo falar muito da minha carreira profissional na BD, e sobretudo desse período em que trabalhei na APR, embora guarde boas recordações dos primeiros tempos como coordenador do “Mundo de Aventuras” e de outras publicações da mesma editora. Mas a oportunidade surgiu quando fui contactado pelo jornalista Leonardo Ralha, autor do referido artigo do CM, e esse convite não podia recusá-lo, pois tratava-se de homenagear a memória do MA, tanto na 1ª como nas últimas fases, e logo num órgão de informação de grande tiragem.
Aliás, a propósito sobretudo da 1ª série, quero recordar-lhe dois heróis portugueses que viveram algumas aventuras em continuidade. Um deles foi o célebre Tomahawk Tom, criado por Roussado Pinto (texto) e Vitor Péon (desenhos), que conta no seu historial com muitos episódios, alguns publicados na 2ª série (anos 70), e que teve nessa época direito a um álbum cartonado, com uma extensa aventura inédita, e até a um álbum com desenhos para colorir. O outro herói português do MA, protagonista de duas ou três aventuras, foi o Zeca (uma espécie de émulo do Cuto), criado por Raul Cosme (texto) e José Manuel Soares (desenhos). E houve mais, embora tenham aparecido numa única aventura… Heróis como Capitão Bravo, desenhado por Carlos Alberto, e Tony Tormenta, com arte de José Antunes, também ficaram na memória dos leitores. Além do Menino Tonecas, famosa criação radiofónica de José de Oliveira Cosme (mais tarde adaptada também à TV), que José Antunes transformou numa divertida série aos quadradinhos.
Outro herói português do MA que quero aqui recordar (já mencionado no meu blogue) foi o jornalista/detective Luis Vilar, criado por José Baptista e que viveu duas trepidantes aventuras, uma delas em ambiente bem típico, no Algarve.
Como vê, por estes exemplos (mas poderia citar-lhe outros), a BD portuguesa não foi parca de heróis, nomeadamente no “Mundo de Aventuras”. Só a dupla V. Péon/R. Pinto teve vários à sua conta: Don Clay, Pirro, João Davus, Frank Savage… Claro que, com excepção de Tomahamwk Tom (publicado também numa revista francesa), nenhum deles conheceu a fama, a longevidade e o prestígio de alguns dos seus confrades americanos e europeus, mas convenhamos que era difícil aos autores portugueses, nas precárias condições em que trabalhavam, competir com o sistema de produção de outros países, onde existiram revistas “alimentadas” apenas (ou em grande parte) por colaboradores nacionais – casos do “Tintin” e do “Spirou”, na Bélgica, do “Chicos” e do “T.B.O.”, em Espanha, do “Eagle”, em Inglaterra, do “Il Giornalino” e do “Il Vittorioso”, em Itália, do “Coq Hardi” e do “Pilote”, em França, além de muitos outros.
Em Portugal tivemos poucas revistas de BD inteiramente abertas à colaboração nacional. Recordo especialmente o “Camarada”, 1ª série – porque a 2ª (nos anos 60) já doseava as criações nacionais com as estrangeiras –, onde surgiram alguns heróis memoráveis, em vários episódios (como Chico, Vic Este e o Inspector Litos), e o “Fungagá da Bicharada”, onde Zé Manel criou o irresistível Fungaguinhas e Fernando Relvas uma das suas primeiras séries: “Chin Lung, o justiceiro do Rio Amarelo”. Casos mais recentes, como os das revistas “Visão” e “LX Comics”, merecem também ser assinalados.
Um abraço e mais uma vez obrigado pelas amáveis referências e pela camaradagem na blogosfera, que partilho e retribuo.
Jorge Magalhães
Jorge, com a excepção a excepção do Tomahawk Tom, cujo nome me é familiar, por já ter visto um álbum ou recuperação em fanzine, a maioria dos outros desconhecia por completo, embora seja provável que já os tenha “visto”, quando me cruzo com alguns números antigos do Mundo de Aventuras.
Mas esses personagens não sobreviveram à revista em outros suportes, ou tiveram outras histórias publicadas em outras publicações. São heróis, ou melhor dizendo: autores, esquecidos. Existe uma ideia geral de que a única BD que existia em Portugal de autores Portugueses antes do anos 90 era unicamente uma BD histórica… quando existiram.
Eu não estava sequer a mencionar a existência de heróis com a fama e longevidade de personagens estrangeiras, mas os heróis como o Porto Bomvento, Jim Del Mónaco ou Filipe Seems, que protagonizaram pelo menos uns 3 álbuns, a maioria dos heróis da BD nacional foram protagonistas de poucas histórias. Mesmo hoje em dia continua a haver um défice de personagens principais recorrentes, apesar de ter aumento o número de obras editadas de autores nacionais.
É provável eu estar a cometer alguns lapsos, mas a minha falta de memória tem um boa desculpa: quando o Mundo de Aventuras terminou eu ainda andava a aprender a ler, dos heróis que por lá passaram só sei dos que encontro esporadicamente em alguns números, dos que são mencionados e dos que sobreviveram, foram recuperados em outros formatos mais duradouros com através da re-edição em álbum.