A mostra que o AmadoraBD dedicou, na edição de 2013, ao autor japonês Yoshiyasu Tamura constituiu a primeira vez que foram apresentados ao público originais de mangá (BD japonesa) na Amadora.
Há já alguns anos que a Amadora procurava que a programação do AmadoraBD conseguisse responder a um duplo desejo: o da organização do Festival no sentido de privilegiar a exposição com arte original, e o desejo do público de ver a mangá (e, especialmente, a mangá japonesa) mais representada no evento. No entanto, as diversas mostras promovidas (a começar pela mais aguardada de todas, em 1996) nunca tinham conseguido apresentar originais.
Questiona-se se a Amadora deve reforçar esta aposta, que tem, naturalmente, custos.
Na resposta a tal questão, não podem deixar de se considerar alguns factores importantes. Em primeiro lugar, as pessoas que procuram o AmadoraBD pela via da cultura japonesa (a começar por cosplayers e adeptos de cosplay) não parecem ser particularmente interessados em banda desenhada. Vêm à Amadora mostrar-se, aproveitando ocasionalmente a cenografia de uma ou outra exposição para registar fotografias singulares, e compram mais produtos derivados do que de livros de BD. A loja de Mário Freitas, que conhece bem aquelas pessoas e o que procuram, costuma readaptar o espaço do seu stand no fim de semana de cosplay, passando a apresentar menos banda desenhada. Muito menos banda desenhada.
Em segundo lugar, há que ter em conta que uma exposição de banda desenhada é uma coisa estranha, na medida em que a BD é para ser lida e não para ser exposta. Uma prancha de BD emoldurada será (salvo raras excepções) um fragmento de um todo mais vasto, ainda que tenha uma identidade própria e um valor artístico. Ora, no que respeita à mangá, esta característica ligada ao valor de leitura é ainda mais evidente. Na mangá, o tempo de leitura está muito estudado, sendo reforçado por símbolos que não são utilizados na BD ocidental. Por outro lado, uma única cena pode ser apresentada num número de pranchas também ele sem paralelo (porque muito superior) aos de outros tipos de banda desenhada. Assim, um original de mangá tenderá a ser ainda mais descontextualizado quando apresentado isoladamente no âmbito de uma exposição. De resto, em termos de unidade, não há como as pranchas dominicais norte-americanas, ou duas pranchas franco-belgas do tempo em que as revistas especializadas apresentavam duas pranchas (em continuação) em cada número.
Em terceiro lugar, o sentido de leitura do original de mangá é o oriental (da direita para a esquerda), o que também pesa no percurso de uma mostra.
Na minha opinião, o AmadoraBD devia canalizar a aposta no sentido da animação japonesa (anime) e não da banda desenhada. Por várias razões. Porque sempre procurou apresentar as linguagens próximas da BD no contexto do festival, porque há mais público interessado (mais grande público e mais interessado), porque não afasta os cosplayers e visitantes afins (que, com todos os seus defeitos, aparecem na Amadora em número demasiado expressivo para ser ignorado), e, sobretudo, porque há todo um mundo de arte original ligado à produção de filmes e séries de animação muito mais acessível para exposição do que os originais de mangá. De resto, julgo que a sessão de autógrafos de 2000 com animadores da série Pokémon continua a ser a mais expressiva da história do AmadoraBD.
É claro que esta pista de reflexão deve sempre admitir excepções. A galeria parisiense Barbier & Mathon apresenta neste momento (e até 28 de Fevereiro) uma exposição com cerca de 50 originais de Osamu Tesuka, que seria bem acolhida por qualquer festival de BD do mundo.