Perdido na Dimensão Z de Rick Remender e John Romita JR

Divertido mas longe de ser excepcional, esta é uma estranha aposta da editora. No limite entre a revista e o livro, publicando uma história menor que não termina e obrigará a um eventual segundo volume. Podiam fazer um bocadinho melhor.

Devo dizer que estou com alguma vontade de desancar este livro. Poderia começar com a inexplicável ilustração de capa, com uma torção ao corpo do Capitão América que no mínimo lhe provocaria fortes dores. Podia filosofar sobre se o conceito de “dimensão paralela” se aplica mais a espaços plausíveis dominados por outras dimensões do que as nossas três espaciais e uma temporal, ou se se aplica também a mundos e universos paralelos. Podia, se estivesse dentro de todas as minúcias da evolução do Capitão América enquanto personagem às mãos dos argumentistas mais recentes, rezingar sobre esta estranha coisa de enfiar o ícone da liberdade num mundo paralelo que está a ser cilindrado por um dos seus maiores e, na minha opinião, mais fantásticos inimigos.

Mas não. Vou-me lembrar que antes de serem lidos como subtextos meta-ficcionais, os comics são concebidos para ser divertidos. Aventuras estereotipadas de personagens implausíveis capazes de feitos impossíveis que, no entanto, há décadas que suspendem a descrença dos leitores e nos cativam. Meter-me nos porquês disto é demasiado labiríntico para o tempo e o lugar. Fiquemo-nos apenas pelo mais simples: esta história divertiu-me. Mergulhar em mundos paralelos, ah, desculpem, dimensões paralelas é sempre intrigante. Arnim Zola, cyber-geneticista saído das mais clássicas mitografias do nazismo é um dos meus vilões favoritos do Capitão América. Lamento, mas para mim o Red Skull é um tédio. Como não gostar de Zola, um super-cientista que amálgama carne e máquinas naqueles laboratórios cheios de tubos contentores de corpos, luzes que piscam e medidores com ponteiros a moverem-se loucamente. Doktor Frankenstein on acid, a conjurar o lado destravado da mitografia sobre o muito real horror da genética nazi, à qual, paradoxalmente, devemos bastantes conhecimentos sobre os limites do corpo que fazem jeito na saúde contemporânea, mas isso seria tema para outras conversas e não desculpa a desumanidade.

Esse carácter frankensteiniano de Zola é posto a bom uso nesta aventura por Rick Remender. Confesso que não consigo gostar do trabalho deste argumentista, capaz de brilhantes premissas que depois não leva a lado nenhum, algo que se pode ler contemporaneamente em Black Science, em mundos paralelos absolutamente brilhantes mas o que conta é uma história lamecha sobre uns miúdos perdidos, e Low, cujo futurismo distópico submerso se perde numa banal história de crianças raptadas que crescem em lados opostos da barricada social. Diria que rapto de crianças é tema recorrente no trabalho do autor.

Nesta aventura do Capitão América o argumentista caminha na linha fina entre boas ideias e caminhos interessantes não trilhados. Resumidamente, porque se quiserem mais detalhes aconselho a leitura do livro, o Capitão cai numa surreal armadilha e é transportado para a tal dimensão alternativa ao embarcar num comboio que viaja por uma linha de metro abandonada. Ideia interessante, a fazer lembrar Danny The Street, a rua criada por Grant Morrison para Doom Patrol que se deslocava aleatoriamente no tempo e no espaço, materializando-se em qualquer cidade do mundo. Capturado por Zola, consegue escapar e leva consigo um bebé que julga ser uma cobaia de experiências macabras de Zola. O resto da história é uma expectável narrativa de sobrevivência, com o Capitão a refugiar-se junto dos acossados nativos da dimensão, cada vez mais empurrados pelos monstros mutantes saídos do laboratório de Zola, enquanto treina a criança adoptada e mantém a fibra moral e a coragem com flashbacks que lhe recordam da sua infância difícil e de como isso lhe moldou o compromisso com a honra e o heroísmo. Como não chega sobreviver numa terra hostil, lutar contra criaturas de mutações induzidas, defender os nativos acossados e educar um pré-adolescente, ainda tem de combater um cybervírus que lhe crava um Zola no peito. O cerne da história tem a ver com a origem do bebé que salvou, mas isso vão ter de descobrir no livro. Eu sei mas não conto…

Comecei por desancar o grafismo da capa mas sublinho que ao longo do resto do comic o nível gráfico é elevado. Não consigo dissociar o estilo gráfico de Romita Jr. do do pai, mas nesta série foi buscar uma inspiração mais clássica. Recordando as origens do personagem às mãos do lendário Jack Kirby, inspira-se na rudeza cúbica do estilo visual deste autor clássico para delinear espaço e as criaturas que o povoam desta dimensão Z. A cativante deselegância bruta de Kirby é bem canalizada pelo traço mais dinâmico de Romita Jr.

Divertido mas longe de ser excepcional, esta é uma estranha aposta da editora. No limite entre a revista e o livro, publicando uma história menor que não termina e obrigará a um eventual segundo volume. Podiam fazer um bocadinho melhor. Só para referência, compro as minhas Panini na bomba de gasolina perto da escola onde trabalho. Quero com isto mostrar que estão acessíveis a todos com alguma facilidade e que qualquer miúdo, público óbvio deste género de comics, os pode adquirir num conjunto alargado de locais. Mas 10 euros por algo que é claramente inferior é uma boa forma de afastar leitores. Ainda por cima, a história não se concluí e há que esperar por um eventual segundo volume para satisfazer a curiosidade sobre o final desta aventura do Capitão América. Para este tipo de publicação justificar-se-iam melhores momentos do personagem, que cativem novos leitores e justifiquem o dinheiro gasto por um público mais jovem para quem o preço de capa não será tão acessível quanto isso.

Desde o momento em que escrevi as linhas acima até agora o panorama alterou-se. Se na altura seria expectável esperar uma continuidade destas publicações, as notícias recentes apontam para o fim das publicações Marvel em Portugal pela Panini.

A blogoesfera está ao rubro com fãs descontentes lamentando a decisão da editora, tentando perceber porque é que mais uma vez falha o sonho de ter por cá os comics favoritos editados em língua portuguesa, e sentindo-se defraudados pelo ponto final prematuro nas edições que deixa a meio os arcos narrativos. Há mais uma coisa que se perde com este fim das revistas Marvel. Perde-se a oportunidade de estimular novos públicos. Volta a haver um desfasamento entre a BD infanto-juvenil e as edições dirigidas ao público mais adulto e erudito. Aquelas crianças que começam por ler os comics Disney editados pela Goody nas bibliotecas das escolas não terão algo que os agarre quando a simplicidade dos Tios Patinhas deixar de os cativar. Restam, talvez, os manga editados pela Devir para colmatar o vazio. Queixamo-nos muito que por cá não há público para edições, quer de BD quer de outros géneros. Somos de facto um país com um mercado de literacia reduzido, algo que se sente ainda mais quando olhamos para géneros literários. Mas estes públicos cultivam-se, e a falta de literacia não se combate com a inexistência de livros. A curto prazo, para os fãs, o final destas publicações é uma irritação académica. Acabam, mas pronto, continua a arranjar-se o comic original, a adquirir os TPB ou cria-se conta no ComiXology. A médio e longo prazo é mais uma oportunidade perdida de alargar a base de fãs destes géneros que tanto nos apaixonam.

Capitão América:

Perdido na Dimenzão Z

Autores: Rick Remender, John Romita Jr., Klaus Janson, Dean White.
Editora: Panini Comics
Formato: 
PVP: 9,95 €
Edição: Outubro, 2014

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