Jorge Coelho: “Viajei para fora cá dentro!”

Fruto da edição de Venom nº 40, esta acabou por se tornar na semana do Jorge Coelho aqui no aCalopsia.

Os mais distraídos podem não conhecer o trabalho do Jorge, mas ele já tem uma carreira de 18 anos, que este ano teve desenvolvimentos muito positivos com a edição de Polarity pela Boom e de Venom pela Marvel. Nesta entrevista ficam a conhecer um pouco desse percurso.

 

Chaka Sidyn: Tu começaste a ser publicado em Janeiro de 1995, no Shock 16. Como é que lá foste parar?

Jorge Coelho: Falaram-me das tertúlias no Clube Português de Banda Desenhada, e lá fui eu mais o Rui Gamito descobrir o que eram tertúlias…

O que é andavas a fazer pelo Clube Português de Banda desenhada?

Estava à procura de mais pessoal, aprender e fazer coisas. Quando comecei a frequentar as tertúlias deixei de aparecer. Eram na altura mais dinâmicas, descomprometidas e activas que o Clube.

Depois de publicar no Shock editaste o Vertigens com o Paulo Amorim e o Rui Gamito. O que levou à criação do Vertigens?

Foi uma necessidade de fazer coisas “nossas”. No fundo, eu, o Gamito e o Amorim queríamos fazer à nossa maneira.

Vocês utilizavam a “etiqueta” de “Loukuras Estúdio”. Esse estúdio era real ou virtual? Como é que funcionava?

Era real no sentido em que nos encontrávamos quase todos os dias pois éramos colegas e amigos na António Arroio. Funcionava muito à laia de companheirismo e partilha de gostos, uma banda de banda desenhistas.

Tu chegaste a fazer parte do Fantasia Estúdios, que reunia alguns autores com influências da BD norte-americana. Que projectos é que desenvolveste com eles?

Cheguei a fazer uma curta escrita pelo Eliseu Gouveia, enquadrada no universo que ele criou e numa história para o Vertigens.

Tiveste uma curta publicada numa edição da Associação Jogo de Imagens que era um projecto da responsabilidade do Rui Brito e do Jorge Deodato, que depois fundaram a Polvo. Não te chegaram a convidar para publicares na Polvo? Porque não chegaste a ser editado?

Porque nessa altura eu tinha muito em mãos. Entre a escola, trabalhar para ter trocos (e gastar em BD,  claro!), começar a tocar numa banda (desta feita de música) e viver não sobrava muito tempo. Ainda tenho esse convite de pé e gostava de o aceitar com um projecto “creator owned” que porventura faça.

O Vertigens ficou-se pelos 2 números iniciais, o que é que aconteceu ao número 3?

O número 3 perdeu-se no contexto da pergunta anterior. Muitas ideias, pouco tempo…

Em 96/97 desapareceste durante quase uma década até regressares com o Virgin’s Trip da El Pep. A que se deveu essa ausência prolongada?

O mesmo, mas findo o período da António Arroio mete-se o começo da vida profissional. Comecei a estagiar na MotorPress Lisboa como aprendiz de paginador e a tocar regularmente um pouco por todo Portugal. Actividades que nos sugam esforço, tempo e dedicação. Talvez também tenha ficado um pouco desiludido pelo panorama bedéfilo nacional, pois não via hipótese de o considerar um futuro credível.

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Antes de existir o The Lisbon Studio existia o Estúdio de Alfama. Como surgiu esse estúdio, que ao contrário do Loukuras e do Fantasia era um estúdio real? O que vos levou a criar o estúdio?

No início dos inícios foi o repto de Frederico Penteado, amigo e talentoso pintor da minha terra, Odivelas. Mencionado em muitas noites e copos, um estúdio era o que mais desejávamos, um espaço de partilha e trabalho, um passo em frente para quem trabalhava exclusivamente em casa. Nada de mal trabalhar em casa, mas ter companhia, mais olhos e apoio ajudam e muito.

Quem eram os membros do Estúdio de Alfama? Como se deu a evolução para o The Lisbon Studio?

Ora bem, inicialmente era eu, o Frederico Penteado, o Rui Gamito e o Pepedelrey. Depois juntaram-se a nós o Sérgio Duque e o Rui Lacas, passados uns meses o Pedro Potier e a Ana Freitas estavam à procura de um espaço, não havia na nossa sala, mas a sala ao lado vagou, nós mudámo-nos para essa sala e o eles ocuparam a nossa sala antiga. Mais tarde apercebemo-nos que outros amigos nossos mantinham o Estúdio da Bica: Ricardo Venâncio, João Lemos, Ricardo Tércio e o Nuno Plati. Apercebemo-nos que havia vontade de arranjar um espaço maior e melhor e assim foi, fundimos os estúdios no espaço que foi provisoriamente intitulado The Lisbon Studio, e já lá vão 7 anos.

O primeiro “álbum” que acabas por ter editado é o Virgin’s Trip, em colaboração com o Pepe, Nuno Duarte, Rui Lacas, Rui Gamito, que salvo erro foi a 2ª edição da El Pep. Como se desenrolou esse trabalho a 4 mãos?

O Nuno Duarte não participou, o Sérgio Duque sim, com todo o design e também um pequeno e criativo vídeo promo. A ideia partiu de uma história que o Pepe tinha escrita mas apenas tinha desenhado um capítulo. Tudo fluiu daí, assumi as cores com uma ideia de cor directa em várias percentagens que acabou por ser impresso em milhões de cores pois optámos por impressão digital e a impressão por “chapas” não se aplica. Assumimos a história do Pepe com todo o seu respectivo surrealismo e dividimos por capítulos de maneira orgânica, cada um desenhou e partiu a história como achou melhor. Estávamos a começar o estúdio e nada como um primeiro trabalho para o inaugurar devidamente, queríamos também dizer que “estamos cá”.

Em 2007 acabas por colaborar no “Eros” do Lino, com uma curta escrita e desenhada por ti. O que te levou a voltar a fazer BD?

O estúdio e a estabilização da vida profissional, já podia respirar e olhar para além da loucura do freelance em termos de tempo e contexto. Queria também expressar-me.

Em 2009 realizas a tua primeira colaboração como o Eric Skillman para o EGG com “Below The Fold”. Como surge essa colaboração?

Através da internet, no Deviantart. O Eric contactou-me e propôs-me a colaboração escrevendo comigo em mente, e pagou-me à peça.

O teu trabalho seguinte para os Estados Undidos foi o Forgetless, escrito pelo Nick Spencer, também com arte de Scott Forbes e Marley Zarcone.  Porque motivo é que não foste o único artista dessa mini-série?

Fui a último artista a entrar, e a própria história foi assim programada, são no fundo três histórias que se desenlaçam com uma festa chamada “Forgetless” como pano de fundo e onde todas elas se fundem, no fim.

Quando pegas no Forgetless os designs de personagens e guião já se encontravam completamente definidos. Como correu essa colaboração? Não estranhaste não ter o controle total sobre o processo criativo?

Estranhei, mas sabia perfeitamente ao que ia, a experiência acumulada em ilustração freelance, principalmente publicidade, também ajudaram e ajudam até hoje, a trabalhar em equipa com hierarquia definida e prazos.

Quais foram as maiores dificuldades que encontraste ao ter de desenhar uma série mensal depois de vários anos em que só tinhas realizado histórias curtas e sem prazos definidos?
Jogava à bola de vez em quando, e até tinha jeito mas passei a jogar num clube de primeira liga. As dificuldades são a quantidade de trabalho em prazos pequenos e a pressão auto-imposta. Fazer BD é uma maratona, não é sprintar.

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Em 2010 foi publicado o último número do Forgetless, e em 2012 estavas de volta com o Suckers para a Trip City, escrito pelo Eric Skillman. O que andaste a fazer durante esses dois anos?

Eu e o Eric fizemos um pitch para o Spawn da Image, versão steampunk, uma curta de 11 pranchas em jeito de promo já no universo “Suckers”, uma curta de oito pranchas para o “Outlaw Territory” Nº2, publicado pela Image, e outra curta de oito pranchas para o Venham +5.

O que te leva a colaborar com o Eric Skillman, único argumentista com que realizaste mais de um projecto nestes (quase) 20 anos de carreira?

Acho que nos entendemos bem, somos já amigos e partilhamos o gosto por um universo mais Indy.

Nesse período colaboraste também no Brand New Nostalgia. em que consiste esse projecto? Qual foi a sua importância para o teu desenvolvimento como artista?

Fui convidado por Andrew MacLean, um amigo do DeviantArt, para esse colectivo, e começámos a produzir desafios com temas semanais. Mais tarde conseguimos obter financiamento via Kickstarter para publicarmos um artbook em formato antologia, que vamos lançar na NYCC este Novembro. Foi muito importante este desafio semanal pois permitiu-me experimentar e fazer várias peças de portefólio, para além de fazer circular os nossos nomes.

2013 acaba por se tornar no teu ano, com o Polarity da Boom e o Venom da Marvel. Esses projectos acabam por surgir em separado ou o interesse da Boom e da Marvel já era algo que existia anteriormente e que acabou por se concretizar este ano?

13 definitivamente não tem sido azar para mim. Com a BOOM! o editor Eric Harburn contactou-me no início de 2012. Depois de várias trocas de e-mails e após ter enviado um portefólio fresco, materializou-se uma proposta no final desse ano. Com a Marvel já conhecia o C.B. Cebulski desde o Chesterquest em 2008 e fui mantendo contacto na New York Comic Con 2008 e 2010. Finalmente, no festival de Lucca 2012 apresentei o mesmo portefólio e o C.B. acreditou que tinha chegado ao ponto de maturação necessário para trabalhar com eles.

O que era a “Odisseia Negra” que te levou até Lucca?

A “Odisseia Negra” é uma história em três partes (outra vez) editada pela Passenger Press de Christian Marra, que conheci em Angouléme e com quem tenho vindo a colaborar desde então. Conta a famosa Odisseia de Homero em versão alternativa, mais brejeira e extrema. Em 10 pranchas duplas a preto e branco num formato bastante giro.

Mais trabalho não remunerado?

Não exactamente, a editora levou-me a Lucca, que adorei e recomendo a todos os amantes de BD. E onde reencontrei o C.B.

[Nota: Podem ler uma amostra da Odissea Nera no Issuu. Aviso, contém material explícito.]

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Polarity é escrito pelo Max Bemis, vocalista da band “Say Anything” e co-vocalista com Chris Conley na banda Two Tongues. Já conhecias a música dele antes do convite para trabalhares no comic?

Não, segundo percebi são conhecidos nos Estados Unidos mas não atravessaram muito as suas fronteiras.

Polarity acaba por ser o teu primeiro álbum como artista único ao fim destes anos todos. Não achas que esperaste demasiado tempo para “explodir”?

Eu não esperei, estive sempre a fazer coisas, a trabalhar, como podemos verificar nesta entrevista as propostas é que melhoraram com o tempo. “Explodir” não é uma coisa que se programe pelo autor, acontece. Mas não acredito que tal tenha acontecido. Ainda há muito frango para virar…

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Antes de Venom tu não tinhas feito BD de acção. Não sentiste que isso foi um handicap ao iniciares o trabalho?

Sim. Fazer acção e fantástico tem os seus códigos e mistérios e há quem o faça estrondosamente bem. Felizmente pratico e acredito em diversidade. Acredito que é fonte de riqueza em geral, e acho que foi disso que os editores que me contrataram gostaram no meu portefólio.

Tu neste momento estás a desenhar a lápis e a tinta 20 páginas de BD por mês, algo que na Marvel/DC é não é norma, sendo habitual que o trabalho de penciller e inker sejam divididos por duas pessoas diferentes. O que te leva a preferir fazer a arte completa a trabalhar só como penciller (ou inker)?

Sempre foi assim comigo, o contrário seria anti natura. Sempre adorei a fase da arte final. Em termos práticos é realmente mais trabalhoso.

Os editores da Boom ou da Marvel contrataram-te logo como artista completo ou chegaram a sugerir que fosses só penciller?

Sim, felizmente nunca quiseram interferir nisso.

O caminho para o sucesso é linear? Basta apresentar o portefólio e entrar?

Não. A porta principal para entrar para entrar em editoras grandes é as submissions e apresentar portefólio em convenções, ou fazer histórias curtas, algo que eu prefiro. Mostrar um trabalho e entrar logo é a excepção que confirma a regra.

Entre fazer 8 páginas para um submission e uma curta “creator owned” de 8 páginas, o que consideras preferível?
Uma curta, de longe.

Quer para a Boom com o Polarity, quer para a Marvel com o Venom, és uma mão contratada com pouco controlo autoral. No futuro pretendes ter mais controlo autoral sobre o teu trabalho ou continuar a fazer só “work-for-hire”?

Como na vida creio que a confiança se conquista, acredito que com o tempo terei mais hipóteses de intervir neste ou noutro aspecto. Ilustrar já tem uma boa margem de manobra, mas quero num futuro não muito distante trabalhar em “creator owned”, não necessariamente de maneira exclusiva. Diversidade.

Suckers tem estado parado. É para concluir?

Sim.

Existem outros projectos para o futuro próximo?

Existem umas conversas com a BOOM! e um autor da Image, mas é tudo ainda no reino do abstracto. Espero bem que sim.

Deste quase 20 anos de carreira, do que é que te arrependes mais?

Neste momento já posso acreditar que valeu bem a pena o percurso. Mas como gosto de variar, ter emigrado para estudar ilustração ou mesmo arte sequencial em Espanha, Inglaterra, Itália ou Estados Unidos teria sido uma experiência formidável certamente.

Mas acabaste por emigrar?

Viajei para fora cá dentro, sim!

Venon to be continued

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