Os Vingadores voltaram a ter uma edição portuguesa, que começa sob o signo da renovação. Com o evento Marvel Now, a editora norte-americana alterou diversas equipas criativas e entregou os destinos dos Vingadores nas mãos do argumentista Jonathan Hickman.
Os planos de Hickman parecem ser ambiciosos, pelo menos ao nível do elenco que utiliza. A história incia-se com a equipa que foi popularizada pelo cinema, mas rapidamente o elenco vai crescendo com o recrutamento de novos elementos. O número elevado de personagens, que triplica logo na primeira história, acaba por causar um total ausência de caracterização da maioria das personagens, que acabam por ser meros figurantes num conflito que é suposto ser cósmico.
Esse facto torna momentos como a interacção entre Bobby e Sam em algo que parece estar fora do contexto – é uma pequena interacção entre as personagens que, não desenvolvendo a narrativa, permite que se perceba um pouco quem são aqueles dois. É um pequeno momento que peca por ser a excepção e não a regra. Quem não conhecer a maioria das personagens fica com muito pouca informação sobre as mesmas, para além de um breve introdução que por vezes se limita a um nome.
Contudo, este é o primeiro número da revista. Os leitores portugueses acabam por ter o beneficio de terem numa revista os três primeiros números da revista norte-americana Avengers, o que permite ler o primeiro “arco” de Hickman que funciona mais como um prólogo do que será os seus Vingadores, do que sendo uma história propriamente dita.
Hickman utiliza esta história para criar as fundações para aquilo que pretende desenvolver num futuro próximo. O final da história marca o início de uma nova fase da equipa, que agora inclui um elenco mais vasto que promete enfrentar perigos mais cósmicos.
Devido ao elevado número de heróis, acabam por ser os vilões que sobressaem, Os Construtores, Abismo e Ex Nihilo acabam por ser as personagens mais desenvolvidos. Estas personagens são utilizadas para explorar temáticas habituais na ficção-científica como a evolulão, (re)construção e o que é ser humano. São temáticas que são só apresentadas superficialmente sem serem aprofundadas, mas que são adequadas para este primeiro número da revista que marca a reconstrução de uma das equipas de herois mais populares da Banda Desenhada da equipa por Hickman .
Os conceitos aqui introduzidos pelo argumentista revelam-se interessantes, mas acabam por ser pouco desenvolvidos, sendo o principal problema deste primeiro número dos Vingadores de Hickman a ambição do argumentista. Ao introduzir diversos elementos acaba por faltar espaço para os desenvolver convenientemente. Até as cenas de acção do conflito entre heróis e vilões acabam por ser anti-climáticas, com recurso a uma solução Deus Ex-Machina – utilizando uma personagem que não teve qualquer introdução ou desenvolvimento nas páginas precedentes.
Contudo, convém fazer a ressalva de que este é um início de uma nova fase, em que o argumentista está a inserir novos conceitos, e existem pequenos “easter eggs” que dão indicações para histórias futuras, o que deixa antever que estas personagens e temas podem vir a ser desenvolvidos no futuro.
O facto de muitos dos novos Vingadores serem personagens mais obscuras da Marvel, sem uma apresentação ou desenvolvimento dentro da narrativa, pode deixar um novo leitor desnorteado relativamente ao eventos que se sucedem. É uma questão que poderá ser resolvida nos próximos números, quando o argumentista começar a explorar os conceitos e personagens que está a introduzir.
Agora, confesso que fiquei com saudades do dicionário Marvel que costumava surgir nas revistas da Marvel publicadas pela editora Abril. Esses pequenos textos seriam bem úteis para quem se confronta com este elenco de personagens. O universo Marvel, à semelhança do Universo DC, é uma telenovela sem fim, onde os personagens nunca envelhecem, apesar de existirem décadas de histórias. Os textos que acompanham esta edição ajudam a enquadrar alguns dos eventos que aconteceram no passado e a história da publicação das personagens em Portugal. Só que existem eventos a nível da história individual das personagens que os moldaram, mas que estão ausentes quer a nível da narrativa, quer nos textos complementares.
São detalhes cuja relevância só será possível aferir nos próximos números da revista.
Não mencionei ainda a arte, em parte porque na Marvel actual as revistas são sobretudo projectos de um argumentista em que a arte vai sendo realizada por diversos artistas, sendo que a visão que vemos impressa, no caso dos Vingadores, é sobretudo a de Hickman. É uma visão que não se limita à história, mas que também é visível em elementos de design. Jonathan Hickman, para além de argumentista é também designer e artista e a sua marca pessoal de design está patente ao longo da revista.
A arte deste primeiro número está a cargo de Jerome Opeña, que realizando um trabalho competente, é prejudicado pela equipa de coloristas constituída por Dean White e Frank Martin com Richard Isanove. Os coloristas optam por tons demasiado escuros que, por vezes, tapam por completo o traço de Opeña, existindo em algumas vinhetas e pranchas uma tentativa de criar uma arte pintada que não resulta no geral, apesar de algumas vinhetas bem conseguidas. No final o resultado acaba por ser desequilibrado.
Apesar de existir talento visível do desenhista e coloristas a parceria não resulta, apesar de o produto final não ser mau. É uma arte razoável e que deixa a ideia de que poderia ser melhor.
A nível dos valores de produção, qualidade de papel, número de páginas e extras apresentados, a revista acaba por ser um produto apetecível para os apreciadores das histórias da casa das ideias. O conteúdo é interessante e deixa o leitor curioso sobre o que poderá ser estes Vingadores de Hickman. Resta esperar pelas próximas edições para ver se o desenvolvimento atenua ou elimina por completo as lacunas apresentadas neste primeiro número.
É um início interessante de mais um capítulo de uma história interminável.