Não comprei os novos livros do Michel Vaillant, lançados pelo jornal “Público”. Não precisei, pois, dadas as dificuldades habituais da ASA em dedicar-se a uma série a longo prazo, optei por adquirir os dois primeiros álbuns da nova série em francês.
[dropcap]O[/dropcap] primeiro volume, “Em Nome do Filho” (“Au Nom du Fils”), não foi necessariamente um choque. Tendo em conta a arte promocional que tinha visto no Autódromo Internacional do Algarve, em 2012, onde também pude entrevistar Philippe Graton, já esperava que a arte de Marc Bourgne fosse diferente.
Graton queria afastar-se do estilo do seu pai, que antes tinha obrigado o Studio Graton a seguir. Penso que, para quem está habituado à BD americana das grandes editoras, simplesmente ver um novo artista pegar em personagens conhecidos será menos importante do que a verdadeira qualidade do trabalho. Não que Bourgne tenha tornado Michel Vaillant e a sua família completamente irreconhecíveis. Estão apenas desenhados de maneira diferente, o que requer alguma habituação.
As expressões faciais estão diferentes, é verdade, tal como outras pessoas afirmaram, e aqui poderá estar a principal dificuldade em interiorizar a arte. O estilo antigo de Jean Graton era mais estilizado nas caras, os sorrisos mais cartunescos. Bourgne aproxima-se do estilo moderno foto-realista, da escola Jean Van Hamme. Acrescenta também mais pormenores e muda mais vezes o ângulo de câmara. Os momentos de acção não estão a seu cargo, mas de Benjamin Bénéteau, que tem o trabalho de reproduzir fielmente os carros de competição, as caras das pessoas reais e os locais onde as corridas se desenrolam. Os efeitos sonoros popularizados pelo pai Graton continuam integrados no movimento, mas as reproduções dos carros e das suas decorações estão tão perfeitos que a acção parece mais parada.
[pullquote align=”right”]Agora, não é possível, pois o desporto automóvel é muito mais asséptico e politicamente correcto.[/pullquote]Mesmo fora da pista, a acção não é muita. Antes, era fácil transformar os confrontos entre carros e pilotos em épicos lendários, com rivalidades e acidentes. Agora, não é possível, pois o desporto automóvel é muito mais asséptico e politicamente correcto. Aliás, a história mostra essa parte com exactidão. O novo parceiro financeiro da equipa Vaillante, Ethan Dasz, está mais preocupado com o retorno mediático (não importa como ele surja) do que com os resultados. Nas corridas, em vez de se debruçarem sobre os carros e se cobrirem de óleo, os engenheiros da equipa passam todo o tempo dentro da motorhome, com o piloto, a ver números e gráficos num computador. É assim que se afina um carro hoje em dia.
[dropcap]O[/dropcap] politicamente correcto acaba por influenciar o resto da história, que o novo escritor Denis Lapière levou em direcções que antes não fariam qualquer sentido num livro de Michel Vaillant. Jean-Pierre, irmão de Michel e presidente da empresa, insiste em mover a pesquisa e desenvolvimento para áreas mais ecológicas, como carros eléctricos, tal como fazem os construtores do mundo real. Também não fiquei surpreso, pois Philippe Graton tinha-me dito isto na entrevista. Aliás, a saída da Vaillante da F1 faz algum sentido, tendo em conta a diminuição do peso da indústria automóvel francesa face ao que era nos anos 60, 70 e 80, quando existiam muito mais pequenas empresas que a Vaillante podia imitar (para quem não sabe, já só existem dois grandes construtores franceses, a PSA Peugeot-Citroën e a Renault).
Mas isto tudo gerou uma divisão no seio da família unida. O pai Henri, que há vários anos estava contente por se encontrar semi-reformado e em deixar Jean-Pierre tomar conta da companhia, resolveu confrontar o seu filho e criar obstáculos que impedem a empresa de avançar para as áreas ecológicas que são necessárias para a saúde financeira da marca. E Françoise, a mulher de Michel, que nas primeiras aventuras onde apareceu era filha de um jornalista automóvel e fotógrafa (pelo que cresceu inserida no meio) está muito mais controladora, insistindo que Michel se ocupe mais da família. E é isso que leva aos eventos vistos no final do primeiro volume.
Breves notas biográficas dos autores
[row ][column size=”1/2″]Philippe Graton
Filho de Jean Graton, criador de Michel Vaillant, desde 1994 é responsável pelo trabalho de pesquisa e elaboração da base da história.[/column]
[column size=”1/2″]Denis Lapière
Escreveu várias séries, na sua maioria de humor, incluindo Oscar, Mauro Caldi e La Clé du Mystère, trabalhando com vários desenhadores. Escreve os argumentos de Michel Vaillant desde 2012.[/column]
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[column size=”1/2″]Marc Bourgne
Escritor e desenhador, tendo criado as séries Barbe Rouge e Frank Lincoln, adaptou também “O Último dos Moicanos” para a BD e contribuiu para a série IR$. Desenhador de Michel Vaillant desde 2012.[/column]
[column size=”1/2″]Benjamin Benéteau
Já trabalhou com Denis Lapière na série Alter Ego, onde contribuiu os desenhos de fundo e de detalhes. Desde 2012, recria em Michel Vaillant os detalhes do mundo real bem como o design dos carros Vaillante.[/column]
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[note]Nota do editor: “Em Nome do Filho” marca o início da “nova época” (“nouvelle saison”) de Michel Vaillant, a segunda parte da crítica ao “novo” Michel Vaillant, “Voltagem”, será publicada na quinta feira.[/note]
[box title=”Ficha técnica” style=”noise” box_color=”#f2ecdd” title_color=”#353535″]Em Nome do Filho
Colecção: Michel Vaillant Nº01
“Au nom du fils” – Michel Vaillant, nouvelle saison, Tome 1
Argumento: Philippe Graton e Denis Lapière
Desenhos: Benjamin Benéteau e Marc Bourgne
PVP: 5,95€
Edição: 02/04/2014[/box]