A primeira é a de que é na internet que mais se escreve sobre banda desenhada. Este é o grande veículo para a divulgação, informação, análise e crítica de BD, substituindo o espaço que há uns anos (antes da internet) pertencia à imprensa escrita. A segunda conclusão é a de que, salvo honrosas excepções, faz-se muito mais a antevisão (de livros ou de eventos) do que a apreciação posterior (à leitura do livro ou à presença no evento). Pela internet, toda a gente sabe que vai ser lançado um determinado livro, mas ninguém (ou quase ninguém pois, como disse, há excepções) sabe qual a apreciação resultante da leitura do livro. O mesmo vale para eventos. Toda a gente sabe que vai realizar-se um determinado evento, mas, e aqui as excepções são ainda mais raras, só quem esteve é que sabe o que se passou.
Isto significa que – e continuo a generalizar, a falar da regra – houve uma deslocação na perspetiva de quem escreve sobre banda desenhada, que deixou de ser um leitor que assegurava a divulgação, para passar a ser um divulgador que, eventualmente, assegurará alguma leitura.
E há que referir que o momento do “antes”, privilegiado pela regra de quem escreve sobre BD é o “imediatamente antes”. A investigação histórica perdeu terreno.
Isto significa que, se durante algum tempo o autor (cujos conhecimentos sobre o género que pratica ninguém parece levar a sério) parecia menos respeitado do que o analista de BD (mais conhecido pelo respeitoso título de “crítico”), hoje, o autor mede a sua respeitabilidade com os tais divulgadores (de leitura duvidosa). É que o divulgador tende a ser confundido com o tal crítico do passado, a quem tudo era permitido em relação ao autor. O jornalista que escrevia sobre BD em jornais ou revistas era visto como uma autoridade com um conhecimento que dispensava o diálogo com o autor ou com o leitor. Os organizadores de salões ou festivais dedicavam grande cuidado na apresentação dos eventos aos críticos. O crítico bastava-se a si mesmo, e a obra de BD era um mero pretexto para o crítico refletir. Ninguém questionava a falta de conhecimentos do crítico, a análise errada, a falta de conteúdo, perspetiva ou oportunidade. O crítico estava acima da crítica. É que o crítico, e toda a reflexão teórica que a banda desenhada suscita, ia disfarçando a falta de mercado, e de ritmo e projecto editoriais.
Num dado momento, a BD portuguesa podia muito bem ser uma realidade virtual, inventada pelos críticos com alguma ajuda institucional.
Nos últimos anos, apesar da colagem do divulgador internauta ao crítico, e da pretensão de estar acima do autor, aconteceu o mais imprevisível dos cenários: a BD portuguesa tem mostrado sinais de vida, com muita edição, muita edição interessante, um número invulgar de títulos de grande qualidade, excelentes desenhadores, argumentistas e coloristas.
Para além das poucas mas muito valiosas excepções que já o fazem, começa a ser tempo de se falar mais sobre o “depois”. A qualidade do atual momento da BD portuguesa justifica essa abordagem.
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