Naturalmente, num passo deste tipo, sente-se alguma responsabilidade de recuperar um certo atraso na edição deste tipo de obras (como exemplifica o livro de Will Eisner que inaugurou a coleção, com edição portuguesa ao fim de mais de trinta anos).
Há que aceitar com naturalidade que não é a esta coleção (que já tem inquestionáveis méritos) que cabe suprir todas as lacunas da edição da banda desenhada em Portugal.
O leitor português está ainda um pouco longe de conhecer obras como Building Stories, de Chris Ware, o título que mais fez avançar as possibilidades da banda desenhada neste novo milénio.
Nascido em 1967, Chris Ware é um dos mais influentes autores de BD da atualidade e ao nível mundial. A prová-lo está o prémio para o melhor álbum que distinguiu o seu “Jimmy Corrigan” em Angoulême. O trabalho de Chris Ware cedo despertou o interesse de Art Spiegelman, que o convidou a contribuir para a conceituada antologia RAW, e de Kim Thompson, que ofereceu a Ware a possibilidade de editar uma série pela Fantagraphics. Assim surgiu The ACME Novelty Library, uma série que se afirmou tanto pelo seu conteúdo como pela sua forma (estabelecendo novas fronteiras da BD face ao design, e variando por completo as dimensões de número para número). Desde 1995, The Acme Novelty Library tem sido distinguida com um impressionante número dos mais prestigiosos prémios da indústria da BD norte-americana, entre Harvey, Eisner e Ignatz Awards, e mesmo o Reuben Award for Excellence.
Em 2000, a Pantheon Books recolheu Jimmy Corrigan: The Smartest Kid on Earth num único livro. Tido nos Estados Unidos como o maior avanço da BD no campo literário desde o Maus de Spiegelman, o livro foi destacado pela TIME, The Village Voice Literary Supplement, Entertainment Weekly e outras. Jimmy Corrigan atravessa um percurso de três gerações de Corrigan, num retrato sentido da passagem de cicatrizes de pai para filho. Semi-autobiográfico, o trabalho parte do universo de Jimmy Corrigan que, como o próprio Ware, só conheceu o pai na idade adulta.
E foi a partir de The Acme Novelty Library que nasceu Building Stories, o livro de BD que não é um livro, mas uma caixa com conteúdos, um formato que melhor sublinha a participação do leitor. É o grande acontecimento da BD mundial dos últimos quinze anos, embora o conceito não seja novo (a ideia original, num formato menos ambicioso, foi proposta por Ware à Eclipse em 1987, tendo sido recusada).
Chris Ware já esteve uma vez em Portugal, no AmadoraBD, em 2002 (dez anos antes de Building Stories).
Para o leitor, a descoberta de algo como Building Stories dificilmente se faz sem passar por paragens mais acessíveis e igualmente obrigatórias, como as propostas pela coleção Novela Gráfica. E esse é o grande mérito da coleção.
Mas há também que pensar no leitor que também é autor, e que produzirá obras mais ambiciosas se tiver acesso a obras mais ambiciosas (que o poderão inspirar). Se é verdade que, como dissemos na crónica da passada semana, a BD em Portugal faz-se por gosto, não é menos verdade que esse investimento de amor poderia justificar, a par de grande talento, uma maior ambição.
infelizmente a banda desenhada não é como a ópera. se fosse teríamos edições do chris ware subsidiadas para um público restrito… (estou a ser mauzinho, eu sei…)