Era uma vez um jardim zoológico que tinha três animais: um velho elefante, um elefante muito jovem, e um pavão.
O velho elefante tinha sido, durante muitos anos, a grande atracção do local. Num tempo em que recolhia moedas, tocava o sino, e fazia outras habilidades, o jardim tinha milhares de visitantes. Mas esse tempo já parecia distante. O velho elefante já não fazia tantas habilidades e muitas delas estavam datadas.
O dono do jardim olhava para o elefante muito jovem, e perguntava-se se algum dia ele seria capaz de levar tantos visitantes ao jardim quantos os que o velho elefante levara. Nunca o via pelo que era, mas pelo que poderia ser.
Depois, havia o pavão. Havia duas ou três pessoas que iam ao jardim mais vezes do que os demais, e que só ali iam pelo pavão. Diziam que aquilo é que era um animal, e que havia uma leveza e uma harmonia estética que nenhum elefante conseguiria alcançar. Lamentavam mesmo que a maior parte dos visitantes fosse ao jardim por causa dos elefantes. As duas ou três pessoas começaram a escrever textos de análise e de opinião crítica sobre os animais, que na realidade apenas falavam do pavão. E promoveram exposições e realizaram conferências sobre o pavão. Pretendiam que as pessoas pudessem compreender que havia um pavão para além do velho elefante cinzento, gordo e pesadão. Estas ideias tiveram algum eco. Formou-se mesmo um movimento que defendia que a expressão “animais do Zoo” estava demasiado ligada aos elefantes, e que devia ser mudada para algo mais de acordo com o pavão.
Para além dos textos sobre o pavão, havia naquela terra dois outros tipos de textos sobre animais: textos sobre o tempo em que o velho elefante recolhia moedas, tocava o sino, e fazia outras habilidades, e em que o jardim tinha milhares de visitantes – que pouco diziam aos atuais visitantes -, e textos sobre os elefantes de outros jardins estrangeiros, jardins esses que continuavam a atrair visitantes.
Foi num destes textos que o dono do jardim leu o conceito (que dava um resultadão em França) do Festival dos Animais. Apresentavam-se dezenas de elefantes, e as pessoas acorriam aos milhares durante um número limitado de dias.
O dono do jardim decidiu experimentar a coisa, e pediu conselho a diversos entendidos, que selecionou a partir dos textos sobre zoológicos que seguia.
Um sujeito de Lisboa, também ele defensor do pavão, sugeriu trocar as jaulas dos animais, de modo a que o pavão fosse visto por muitos mais visitantes (que na realidade não o queriam ver). A ideia foi posta em prática e chamaram-lhe salão, mas pouco durou.
Um sujeito da margem Sul centrou-se no velho elefante. A ideia foi posta em prática e chamaram-lhe núcleo, e também não durou.
Um outro sujeito sugeriu que se mudasse a placa do jardim para “Festival”, e que não se fizesse mais nada, que as pessoas acabariam por aparecer. A placa ainda diz Festival, mas as pessoas continuam a ser as mesmas.
Até apareceram uns comerciantes, com a ideia de fazer um jardim que não tinha animais nem jardim, mas onde se vendia toda a espécie de lembranças associadas a um zoológico. Chamaram-lhe fórum, mas a ideia não pegou.
Desesperado com os fracassos das ideias dos entendidos, o dono do jardim acabou por ouvir a sugestão do homem que cuidava dos animais. Era um velho homem, que já cuidava do velho elefante quando ele recolhia moedas, tocava o sino, e fazia outras habilidades. O homem cuidava dos três animais com o mesmo carinho e respeito, e era essa igualdade que propunha: três lugares de destaque, que formariam a identidade daquele jardim. Segundo ele, umas pessoas viriam ao jardim pela memória e valia do velho elefante, outras pela descoberta da continuidade para o elefante muito jovem, outras pela novidade desse jovem, outras ainda pela diferença do pavão. E cada uma delas poderia descobrir os restantes animais e o que havia de único em cada um deles.
O dono do jardim riu-se a bom rir da sugestão do homem que cuidava dos animais. Via-se mesmo que aquele pobre coitado não sabia o que era um festival, e que nunca passaria da triste condição de cuidar dos animais!
Orgulhoso da sua posição como dono do jardim, voltou à leitura dos textos dos entendidos.