Brasil

As publicações de banda desenhada provenientes do Brasil têm uma forte presença nas bancas portuguesas desde há várias décadas.

No entanto, o contacto dos autores brasileiros com o público português demorou algum tempo, até ser assegurada pela cidade da Amadora a partir de 1995, com a primeira visita de Maurício de Sousa à Amadora. Em 1996, a exposição coletiva 2XBrasil era apresentada no AmadoraBD, dando a conhecer muitos dos novos autores brasileiros. O trabalho que a equipa da Amadora desenvolveu naquela exposição tocou fundo os brasileiros, que não tinham recebido tanta atenção noutros festivais (como no de Angoulême).

Em 1997, o Festival de BD da Amadora era reconhecido com o Troféu HQ Mix (o mais importante prémio da BD brasileira) na categoria “valorização”, e uma nova comitiva brasileira viajava até à Amadora trazendo outra exposição colectiva de grande qualidade (Amazónia 3000) e, sobretudo, reconhecendo que a Amadora estava a tornar-se em “algo prático”, com a assinatura de acordos e a realização de importantes reuniões. Nos anos que se seguiram, a Amadora impulsionou a descoberta de autores portugueses no Brasil (como Luís Louro ou José Carlos Fernandes), continuando a receber autores e mostras de elevadíssimo nível.

A necessidade de desenvolver uma identidade cultural luso-brasileira na área da banda desenhada, pondo fim a uma ruptura cultural de longos anos, é sentida de forma muito séria pelos autores brasileiros, conscientes de que o percurso desse projeto tem paragem obrigatória na Amadora. Sónia Luyten resumia este espírito de 1997: “em 1996 nós fomos muito bem recebidos; esse ano estamos sendo contactados, o que é diferente”. Este projeto de ponte entre Portugal e Brasil, sendo aliciante, é, reconhecidamente, difícil de realizar. Assenta numa solução de identidade (luso-brasileira) fora do padrão (franco-belga, americano ou japonês), com a criação de uma linguagem própria, humilde, independente. Foi assim que Maurício de Sousa destronou a Disney no Brasil.

Para alguns autores, esta identidade pode construir-se a partir da base histórica e carga cultural, ou da riqueza do imaginário de Portugal e do Brasil. Gual avançou com o humor como base para essa linguagem própria, no campo da BD brasileira.

É significativo que o Brasil apresenta um consumo de BD junto do público mais infantil, muito mais elevado do que a generalidade dos países, mas não consegue manter esse número de leitores (mesmo considerando soluções de grande criatividade, como a Turma da Mônica Jovem). Em muitos países, como Portugal, a situação é inversa: a curva começa fraca com o público infantil, para aumentar com o público juvenil).

Em 2013, o álbum Pontas Soltas, do português Ricardo Cabral foi distinguido com um Troféu HQ Mix, o AmadoraBD recebeu Gustavo Duarte, André Diniz e Pedro Franz e a mostra (mais uma coletiva, neste caso comissariada pelo português Pedro Moura) Seis Esquinas de Inquietação – Autores Portugueses Contemporâneos.

O Parque da BD – Turma da Mônica foi inaugurado. Fora da Amadora, mas com raízes no trabalho desenvolvido pela cidade, as edições Polvo assumiram um projeto de edição regular de autores brasileiros, e os jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias associaram-se aos 50 anos da Mônica, com uma colecção especial. Mas os circuitos de ligação entre Portugal e o Brasil, e a ponte necessária a que se possa “olhar para dentro e não para fora” – Jô Oliveira dizia na Amadora em 2010 que “Portugal devia olhar para o mar, e não para França” – continuam a fabricar-se na Amadora, em torno do projeto da cidade para a banda desenhada.

A comunidade brasileira da Amadora é bastante expressiva, só perdendo em número para a comunidade cabo-verdiana. Tomando por referência o local de residência, a Amadora é (ou, pelo menos, era em 2011, segundo os números do INE) a quinta cidade portuguesa com maior número de brasileiros, com mais de quatro mil pessoas de nacionalidade brasileira a residir na cidade. Também por isso se justifica a aposta.

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2 Comments

  1. says: Letrée

    Gostei muito deste post. No entanto, acho graça ao comentário do Jô Oliveira, levando-me a pensar numa réplica e podendo dizer que o Brasil também devia olhar mais para o Atlântico e mnos para os EUA. Mas as coisas nem sempre são como queremos, mas como os povos ou as pessoas que marcam a marcha dos povos querem.

    1. says: Bruno Campos

      Eu para mim acho mais problemático o facto de ignorarmos o Brasil, que o trabalho de autores brasileiros ainda vai chegando cá com regularidade. Mesmo que sejam sobras, existem várias edições Brasileiras nas bancas nacionais, agora os portugueses precisam de redescobrir o Brasil, é um mercado enorme.

      Não deixa de ser irónico que seja o mercado maior a ter interesse em vender num menor.

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