O Regresso de Luís Louro: O Corvo

A propósito do anunciado regresso à banda desenhada de Luís Louro, retomando a parceria com Tozé Simões, e a personagem Jim del Mónaco, recordo hoje uma outra personagem que Luís Louro introduziu no universo da BD portuguesa: o Corvo, super-herói português.

O Corvo é o verdadeiro percursor das homenagens que, na exposição dedicada a Batman no último AmadoraBD, tinham sido realizadas por autores portugueses. Louro tem o talento suficiente para povoar a sua paródia aos super-heróis com felizes homenagens aos mestres dos comics (relativas aos universos de personagens como Batman, Spawn ou o Homem-Aranha).

No que respeita ao ambiente, O Corvo é uma expressão feliz do universo lisboeta de Louro, dominado pelo bairro e pelo sexo, de onde só se pode escapar para a fantasia ou para a marginalidade. Na primeira hipótese, as personagens são puras, e o tempo não passa. Mas, nesta visão de Louro, é a hipótese da marginalidade aquela que está mais próxima da realidade do leitor. Há toda uma série de referências, desde logo o que está pintado nas paredes, que não deixam o leitor esquecer-se disto. A personagem do Corvo vive esta dualidade. Enquanto Vicente, o protagonista é uma figura do bairro, fortemente influenciada pela realidade que o rodeia. É certo que não é verdadeiramente um marginal (ao contrário de Alice, por exemplo). Acaba por ser uma personagem muito neutra, que não tem um papel activo na comunidade do bairro. Como O Corvo, é alguém que a realidade não toca e que (por mais que se esforce) não consegue tocar na realidade. Paradoxalmente, o Corvo fixa o horizonte da sua missão à escala de toda a cidade, e não do bairro: a fantasia é mais abrangente do que a realidade.

Mas, felizmente para o autor e para o leitor, Louro não procura fazer um complexo tratado sobre a temática do super-herói na realidade portuguesa. O Corvo é puro divertimento, tão sério quanto é sério andar pelos telhados com uma bicicleta “Robim” às costas, a afastar os pombos. E Louro diverte-se tanto a fazer as histórias do Corvo como procura divertir o leitor. Isso é visível no trabalho da cor, nas fantásticas angulações do bairro, na técnica dos canteiros, arbustos e nuvens.

Para a terceira aventura de O Corvo, Luís Louro apareceu acompanhado de Nuno Markl, numa dupla que se identificava completamente no tipo de humor pretendido para a série.

Aquilo que gosto particularmente no trabalho de Luís Louro na banda desenhada (para além do álbum Alice) é que quando trabalha nesta forma de linguagem, Louro não é o ilustrador que também faz BD, nem é o contador de histórias que também faz BD. Quando Luís Louro se dedica à banda desenhada, o resultado é algo que só faz sentido na forma de banda desenhada. É a BD na sua essência. São os heróis e os vilões de papel, as soluções de planificação e composição que nunca resultariam no cinema, e que se diferenciam do que Louro faz em fotografia ou ilustração. São as histórias feitas de palavras e imagens, em colaboração ou não, que afirmam uma identidade distintiva para a BD nacional.

E é também por esta razão que, por muito mérito que tenha (e tem) o seu percurso fora da BD, Luís Louro faz muita falta à banda desenhada portuguesa.

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